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Dois mundos
Eleição de Garibaldi Alves para a presidência do Senado não promete mudança nos padrões políticos vigentes
FAMOSO PELA BRAVURA com
que defendeu, na Europa
e na América do Sul, seus
ideais republicanos, Giuseppe Garibaldi (1802-1882) ganhou a alcunha de "herói dos
dois mundos", e sua imagem ainda hoje projeta, de ambos os lados do Atlântico, a lembrança de
um tempo em que a atividade política não se dissociava do sacrifício pessoal, das proezas românticas e dos rompantes libertários.
Um vasto oceano, por certo,
afasta a flamejante figura oitocentesca de seu homônimo potiguar, Garibaldi Alves Filho, cuja
ascensão à presidência do Senado, ontem, ninguém pensaria em
qualificar de épica.
A sucessão de Renan Calheiros
se deu sem conflitos aparentes,
uma vez evidenciado que José
Sarney (PMDB-AP) não obteria
a aclamação que desejava. Também descartou-se de pronto, o
que era previsível, o nome de Pedro Simon (PMDB-RS): mais por
suas qualidades do que por seus
erros, decerto -como ele próprio, sem modéstia, observou.
Ressaltou-se nestes dias que,
enquanto relator da CPI dos Bingos no Senado, Garibaldi Alves
Filho teve atitudes de independência com relação aos interesses do Executivo, que se voltavam, como sempre, para abafar
qualquer denúncia em torno do
mensalão. Pertencendo, entretanto, à base governista, o representante do PMDB do Rio Grande do Norte está longe de constituir, na condução dos trabalhos
do Senado Federal, uma ameaça
às prioridades do Planalto.
Ei-lo portanto, ao menos nesse
aspecto, "entre dois mundos",
como o glorioso personagem de
quem reproduz o nome. Se, a
partir da homologia, a promessa
garibaldiana de zelar pela autonomia da instituição não soa, necessariamente, como um exercício protocolar, é todavia doloroso verificar que o novo presidente do Senado Federal pertence,
também, ao "mesmo mundo" de
seus colegas.
Não é o mundo em que vivem
os indignados pela absolvição de
Renan Calheiros, os que assistem a denúncias diárias de irregularidades no financiamento
das campanhas eleitorais, os que
vêem a transformação do Legislativo brasileiro num balcão de
negócios e numa cidadela de privilégios revoltantes.
Não é o mundo em que vive o
cidadão brasileiro -cuja impaciência, desconfiança e asco
diante do comportamento da
maioria dos políticos brasileiros
atinge níveis talvez sem precedentes na história republicana.
Para mudar tal quadro, não há
heróis à disposição.
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