São Paulo, quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Próximo Texto | Índice

Dois mundos

Eleição de Garibaldi Alves para a presidência do Senado não promete mudança nos padrões políticos vigentes

FAMOSO PELA BRAVURA com que defendeu, na Europa e na América do Sul, seus ideais republicanos, Giuseppe Garibaldi (1802-1882) ganhou a alcunha de "herói dos dois mundos", e sua imagem ainda hoje projeta, de ambos os lados do Atlântico, a lembrança de um tempo em que a atividade política não se dissociava do sacrifício pessoal, das proezas românticas e dos rompantes libertários.
Um vasto oceano, por certo, afasta a flamejante figura oitocentesca de seu homônimo potiguar, Garibaldi Alves Filho, cuja ascensão à presidência do Senado, ontem, ninguém pensaria em qualificar de épica.
A sucessão de Renan Calheiros se deu sem conflitos aparentes, uma vez evidenciado que José Sarney (PMDB-AP) não obteria a aclamação que desejava. Também descartou-se de pronto, o que era previsível, o nome de Pedro Simon (PMDB-RS): mais por suas qualidades do que por seus erros, decerto -como ele próprio, sem modéstia, observou.
Ressaltou-se nestes dias que, enquanto relator da CPI dos Bingos no Senado, Garibaldi Alves Filho teve atitudes de independência com relação aos interesses do Executivo, que se voltavam, como sempre, para abafar qualquer denúncia em torno do mensalão. Pertencendo, entretanto, à base governista, o representante do PMDB do Rio Grande do Norte está longe de constituir, na condução dos trabalhos do Senado Federal, uma ameaça às prioridades do Planalto.
Ei-lo portanto, ao menos nesse aspecto, "entre dois mundos", como o glorioso personagem de quem reproduz o nome. Se, a partir da homologia, a promessa garibaldiana de zelar pela autonomia da instituição não soa, necessariamente, como um exercício protocolar, é todavia doloroso verificar que o novo presidente do Senado Federal pertence, também, ao "mesmo mundo" de seus colegas.
Não é o mundo em que vivem os indignados pela absolvição de Renan Calheiros, os que assistem a denúncias diárias de irregularidades no financiamento das campanhas eleitorais, os que vêem a transformação do Legislativo brasileiro num balcão de negócios e numa cidadela de privilégios revoltantes.
Não é o mundo em que vive o cidadão brasileiro -cuja impaciência, desconfiança e asco diante do comportamento da maioria dos políticos brasileiros atinge níveis talvez sem precedentes na história republicana. Para mudar tal quadro, não há heróis à disposição.


Próximo Texto: Editoriais: Definições paulistanas

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.