|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RUY CASTRO
O coração como arma
RIO DE JANEIRO - Na noite de 13
de dezembro de 1968, Paulo Francis tomou um avião em Nova York e
mandou tocar para o Rio, onde morava. Enquanto ele lia Geoffrey Barraclough a 30 mil pés, os militares
faziam horrores por aqui -fechado
o Congresso e abolido o habeas corpus, estavam indo buscar em casa
quem eles consideravam perigosos
para o regime: políticos, editores,
poetas, repórteres, caricaturistas.
Na manhã de 14, ao pousar no Galeão e aberta a porta do avião, Francis teria posto o pé na escadinha e,
de nariz em pé, perguntado sorridente, para ninguém em particular:
"E aí, como se comportou o Brasil
na minha ausência?". Em resposta,
mãos truculentas o teriam algemado e levado preso para o quartel. Segundo outra versão, mais correta,
Francis só foi preso no dia seguinte,
15, de pijama, em seu apartamento
em Ipanema.
Hipótese também mais heróica,
porque, já sabendo da prisão de tantos de seus amigos, poderia muito
bem ter ido se esconder em um sítio
na roça. Mas preferiu ficar e ver no
que dava. Deu cana, da qual só foi libertado no Natal, por interferência
de outro amigo, ligado ao general
Sizeno Sarmento.
Eu próprio, julgando-me um alvo, também andei escondido por alguns dias. Mas saí da toca e estive
com Francis logo depois que o soltaram. Perguntei-lhe: "Foi torturado?". E ele: "Barbaramente. O carcereiro escutava Vandeca [a cantora
Wanderléa] pelo radinho de pilha o
dia inteiro".
Por várias razões, é Francis que
me vem à cabeça em todo aniversário do AI-5. Mas, desta vez, há mais
um motivo: o belo documentário
"Caro Francis", que acaba de sair,
produzido por Nelson Hoineff. É o
retrato de um homem cuja principal arma retórica não era a inteligência, a mordacidade ou o destempero verbal, mas -agora ficou claro- o coração.
Texto Anterior: Brasília - Fernando Rodrigues: Bimbalham os sinos no Congresso Próximo Texto: Vaguinaldo Marinheiro: Crise e novíssima ordem mundial Índice
|