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TENDÊNCIAS/DEBATES
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A decisão do Banco Central de não mexer na taxa de juros foi acertada?
SIM
O Banco Central só pensa naquilo
ANTONIO CARLOS LEMGRUBER
BASTA ASSISTIR a uma palestra
de um diretor do Banco Central
(por exemplo, o sr. Mario Torós,
no Rio, em novembro, na conferência
de econometria no Impa) para compreender que o banco só pensa naquilo: inflação. O resto não interessa. Em
plena crise financeira internacional, o
BC do Brasil está mais dogmático do
que o Bundesbank (Banco Central
alemão). A inflação é a meta; o instrumento é a taxa de juros.
A manutenção da taxa de juros no
alto nível atual se explica basicamente por essa aderência ao modelo de
"inflation targeting", que vem tendo
grande sucesso no Brasil -em contraste com alguns outros países
emergentes- talvez mesmo em face
dessa disciplina com que o BC atua.
Não adianta pensar em desvalorizações ou recessões. Na verdade, para
combater as desvalorizações, talvez
fosse necessário subir a taxa de juros
para 100% ao ano. Mesmo sem o modelo de inflação, alguém teria coragem de fazer isso? Por outro lado, para estimular a economia, haveria necessidade de queda forte nos juros para a faixa de um dígito. Mas isso não
interessa. Só a inflação interessa. E o
Banco Central crê firmemente que é
assim que está de fato contribuindo
para estabilizar a economia.
Simplificadamente, a fixação da taxa de juros se baseia num modelo de
metas inflacionárias em que a inflação depende de certas variáveis: tamanho do hiato do produto (diferença entre o nível real e potencial do
PIB), inércia inflacionária, variações
cambiais etc. Examinando as variáveis, tínhamos pelo menos dois itens
"pressionando" a inflação -a redução
do hiato do produto pelo maior crescimento do PIB e a desvalorização do
câmbio da ordem de 50%. Essa análise mostra que seria impossível baixar
os juros, tendo em mente as metas inflacionárias -e talvez houvesse necessidade de subir os juros.
Parece lógico, porém, que outras
variáveis passaram a ser levadas em
conta a partir de agora no modelo inflacionário -a recessão mundial e os
preços de commodities. É provável
que o "peso" dessas variáveis fosse
pequeno anteriormente, mas o BC
certamente incluiu o PIB mundial e
as commodities no seu modelo econométrico inflacionário. Houve, assim, uma compensação das pressões
altistas pela alta mencionadas no parágrafo anterior, justificando a manutenção das taxas de juros.
O que merece ser discutido diante
da crise global é se as novas pressões
baixistas sobre a inflação brasileira
não estão destruindo a previsibilidade do modelo do Banco Central.
Em outras palavras, diante da perspectiva de recessão e deflação internacional, incluindo quedas fortes em
preços básicos, tais como petróleo,
soja, café e minério de ferro, o Brasil
poderá vir a ter uma surpresa "deflacionária", a despeito do crescimento
do PIB no último trimestre e das desvalorizações do câmbio. É isso que
ainda pode estar fora do telescópio do
BC, afetando a elegância do modelo
de metas inflacionárias.
Ou seja: está tudo muito bem com a
dedicação ferrenha e integral ao modelo de metas inflacionárias -talvez
uma dedicação sem igual no mundo
de hoje. Realmente, quem diria, um
novo Bundesbank, o qual não se abala
nem sequer com uma enorme crise financeira mundial que pode levar à
depressão e à deflação vários países.
Mas essa dedicação requer -ou vai
requerer- um certo mea-culpa se,
mais adiante, o Banco Central descobrir que o seu modelo de inflação não
foi bem adaptado diante da nova realidade internacional, em que as variáveis externas são mais fundamentais
do que as variáveis internas na formação da inflação brasileira.
Portanto, é elogiável que o Banco
Central tenha essa atitude rígida de
coerência com o regime monetário
brasileiro atual, mantendo as taxas de
juros onde estão. Mas o BC precisa ficar atento à evolução da própria inflação nos próximos meses, a qual pode
se descolar completamente das previsões altistas implícitas nos modelos
que enfatizavam o hiato do PIB e o
câmbio. Então aí deverá pensar em
baixar os juros, mas sempre em consonância com suas crenças no "inflation targeting".
ANTONIO CARLOS LEMGRUBER, 61, economista, é ex-presidente do Banco Central do Brasil.
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