São Paulo, quarta-feira, 14 de janeiro de 2004

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CLÓVIS ROSSI

Onde sonhar o sonho

MONTERREY - O jornal "Milênio de Monterrey" puxou ontem para sua manchete a frase "o sonho americano não é para mexicanos", atribuindo-a ao presidente George W. Bush.
Exagero de interpretação. Bush assinalou apenas o que deveria ser normal: o sonho dos trabalhadores (no caso, mexicanos) deveria realizar-se no país de origem em vez de migrar em quantidades industriais para os Estados Unidos.
O normal, e não só para mexicanos, deveria de fato ser a chance de viver seus sonhos em casa.
Pena que o normal se tenha tornado crescentemente inalcançável, do que dão provas a imensa comunidade turca que vive na Alemanha, a norte-africana que foge para a França e para a Espanha e até os brasileiros de origem japonesa que inverteram a rota dos pais e avós e tentam a sorte no Japão.
Por isso, a "over-interpretation" do jornal mexicano acaba sendo cabível. Mais do que nunca, os países em desenvolvimento estão dizendo, por meio de leis restritivas, que o "sonho americano" (ou europeu ou japonês) não é para mexicanos, brasileiros, africanos, árabes.
Mas nem palavras nem atos bastarão para conter a fuga para sonhar. É óbvio (e é da essência do capitalismo) que, se o dinheiro não vem a mim, eu vou até onde está o dinheiro.
Por isso Bush está certo ao dizer, no mesmo contexto que o levou a ganhar a manchete do "Milênio", que é preciso expandir as oportunidades econômicas nas regiões de origem dos migrantes mexicanos.
Tarefa quase impossível: só 93 dos municípios mexicanos não registram emigração para os EUA.
Aí você acrescenta os emigrantes brasileiros, africanos, árabes, sul-asiáticos e as comparativamente recentes levas da Europa Oriental e vê que a receita, ainda que correta, será insuficiente, mesmo que fosse de fato implementada -o que não ocorre.
Só há uma conclusão possível: o sonho que resta a sonhar é o de políticas internas que permitam concretizar em casa o sonho americano ou europeu ou japonês.


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