São Paulo, quarta-feira, 14 de janeiro de 2004 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES A Lei Rouanet de roupa nova
JORGE FELIX
As maiores críticas à Lei Rouanet são o caráter regionalista, que privilegia o Sudeste em detrimento dos Estados mais carentes em produções e recursos para a cultura. As empresas dispostas a abrir suas contas, em tempos de balanços tão discutíveis aí pelo mundo afora, só se submeterão à possibilidade de uma devassa da Receita (o que geralmente ocorre, no bom sentido) se o investimento apresentar o menor risco. E, como o país já virou especialista em avaliação de risco, sabe-se que isso significa Rio de Janeiro e São Paulo. Nunca houve uma obrigatoriedade de a empresa destinar tantos por cento de sua renúncia fiscal aos Estados mais pobres ou a grupos regionais do Nordeste. Esses pontos, felizmente, já estão amadurecidos por quem está discutindo o assunto e, certamente, serão modificados. O maior equívoco das leis de incentivo fiscal, no entanto, é jamais diferenciar os autores novos dos já consagrados. As leis foram redigidas ignorando o que deveria ser a principal preocupação do Programa Nacional de Apoio à Cultura: incentivar o surgimento de novos valores. Embora amparada na Lei Rouanet, uma produção de um autor ou diretor estreante tem grande dificuldade de concorrer com produções de autores consagrados ou premiados e até de estrangeiros. Os patrocinadores, ao avaliarem seus mecenatos, são insensíveis a esse argumento. É evidente. Uma empresa interessada em patrocinar uma produção teatral receberá o mesmo percentual de renúncia fiscal na produção de um novato ou na de um autor famoso. Isto é, para o governo, um estreante e Shakespeare têm o mesmo valor. As empresas estão preocupadas com a exposição de suas marcas, qual a expectativa de público, qual o teatro. O critério é o currículo. E elas estão certas. Errado está o governo, que abre mão de seus impostos sem traçar estratégia. Na iniciativa privada é diferente. Um autor ou cineasta reconhecido, premiado, com quem a empresa terá, sem correr grande risco, o retorno esperado, deve receber menos incentivo fiscal que um autor inédito. Um autor estrangeiro, no caso do teatro, deve receber menos ainda. Tem de haver um escalonamento. Essa distinção é fundamental porque as leis são de fomento cultural, e nunca podem ser de sustentação de empresas de marketing. Por falar nisso, deve-se estabelecer um valor para esses escritórios cobrarem por um registro na Lei Rouanet. Atualmente há gente no mercado que pede de R$ 3.000 a R$ 5.000 só para cadastrar o projeto. Isso deveria ser crime, pois os custos desse processo (graças ao excelente trabalho do Ministério da Cultura e da Receita Federal) é de, no máximo, R$ 100. As primeiras notícias sobre a revisão da Lei Rouanet são estimulantes. A começar do que já foi divulgado nesta Folha -que as empresas, para se beneficiarem da isenção, terão de patrocinar outro projeto sem dispor de renúncia de impostos. O governo, assim, estabelece a tão discutida contrapartida social. Uma atriz consagrada montou, recentemente, um texto estrangeiro usando a lei e achou-se no direito de bradar contra a meia entrada para estudantes. Ela acredita que isso é responsabilidade do governo. E é. O governo deveria obrigar o artista que recebe incentivo fiscal a devolver ao cidadão essa ajuda estatal. Estimular a formação de platéia, o artista novo e levar a cultura a um Brasil distante deve ser a roupa correta para o governo acertar na etiqueta social. Jorge Felix, 36, jornalista, é autor de teatro e sócio da Editora Barcarolla. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Cláudia Costin: Gerenciando políticas públicas Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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