São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

E agora, Brasil?

HELIO JAGUARIBE


Os grandes saltos da nossa história se deram a partir de um esforço de renovação das idéias. É preciso mobilizar um pensamento inovador


O ANO de 2007 se inicia, no Brasil e no mundo, de forma pouco esperançosa. Contrastam, em ambos os âmbitos, a imensidão e a complexidade dos problemas com que se defrontam com a precariedade dos recursos efetivamente disponíveis para enfrentá-los e, mais ainda, com a insignificância dos projetos públicos para esse efeito apresentados.
O Brasil, após 26 anos de estagnação, se defronta com a perspectiva de mais quatro. O governo Lula, embora reconhecendo o imperativo de retomar satisfatória taxa de crescimento econômico -paralisada, por todos esses anos, em torno de 2%-, não apresenta o menor indício de poder efetivar sua promessa de um crescimento a taxas anuais não inferiores a 5%.
A manutenção de uma equipe econômica dominada por um vil monetarismo neoliberal é inequívoca indicação da preservação do status quo.
O projetado pacote de medidas dinamizadoras consiste só, pelo que se sabe, em modestas reduções da esmagadora carga fiscal, sem apreciável redução dos juros astronômicos, por incapacidade de significativa redução das despesas de custeio da União, assim delegando ao setor privado o encargo do crescimento econômico. Como se tal fosse possível para um setor esmagado pela tributação e pelas mais altas taxas de juros do mundo.
À continuada paralisação do Estado se opõe o vertiginoso crescimento dos problemas brasileiros. Problemas de deseducação e decorrentes miséria e criminalidade, aquela com seus efeitos minorados pela aspirina da Bolsa Família, mas com suas causas continuamente agravadas pela estagnação.
Nesse contexto de sistemático atraso, tudo no Brasil se deteriora. Deteriora-se a infra-estrutura, com estradas intransitáveis, um sistema de aviação civil em estado caótico e um previsível déficit de energia elétrica para o quadriênio que se inicia.
Mais que a infra-estrutura, deteriora-se, perigosamente, o padrão de moralidade do Brasil. A combinação do atraso econômico-tecnológico com a perda dos valores religiosos e tradicionais -não substituídos por valores humanistas e cívicos- está tornando a sociedade brasileira uma das mais destituídas de ética do mundo. Impera, da cúpula à base, o espírito da malandragem. A cultura da malandragem é o principal fator de atraso no mundo, da África às regiões retardadas da Ásia e da América Latina. Se voltarmos os olhos para o mundo, nos defrontamos, também, com perspectivas desanimadoras.
A Europa, com exceção do êxito material e cultural da Espanha de Zapatero, segue se beneficiando de suas conquistas pregressas, mas se revelando incapaz de lidar com os crescentes desafios de seu doméstico proletariado islâmico e, menos ainda, de exercer um relevante papel mundial.
Os EUA, apesar da vitória parlamentar dos democratas, continuam submetidos a um dos piores governos de sua história, domesticamente incapaz e internacionalmente nefasto.
No mundo islâmico, os muçulmanos moderados, de que depende o progresso daquela região, se revelam incapazes de conter seus enlouquecidos fundamentalistas.
Sobram, felizmente, os extraordinários progressos da China e da Índia.
Nesse contexto pousa, para nós, a grande questão do que fazer. O que se pode fazer nas condições de ampla e abrangente crise? A resposta histórica, na Grécia do século 4 a. C., na Europa do Renascimento e da Ilustração e no mundo ocidental ante a crise de 1930 foi, sobretudo, pensar. É pelo pensamento que se afirma a dignidade humana. Em certo e decisivo aspecto, todas as crises resultam de um déficit de pensamento em determinadas situações humanas e sociais.
Precisamos mobilizar a inteligência brasileira para uma lúcida identificação de nossos principais problemas, de suas causas e de como poderemos enfrentá-los, independentemente da inércia e da mediocridade dos dirigentes de turno.
Os grandes saltos da história brasileira se fizeram a partir de um esforço de renovação das idéias, que conduziu a geração dos anos 20 a uma reforma de nossa cultura e, pela revolução de 30, de nosso sistema político. Foi a renovação de idéias trazidas pelo Iseb, nos anos 50, que levou ao exitoso projeto nacional-desenvolvimentista do segundo governo Vargas e de Juscelino Kubitschek. Estamos precisando de um novo Iseb, ajustado às novas condições do século que se inicia.
Na inércia e mediocridade do governo federal, se destacam, no entanto, em nosso país, promissores novos governos estaduais em Estados relevantes como São Paulo e Rio de Janeiro, e a continuação, em Minas, do excelente governo de Aécio Neves.
É a partir desses pólos estaduais que se pode realizar o esforço de instauração de centros inovadores do pensamento. Está na hora de se constituírem institutos de humanidades aptos a mobilizar um pensamento inovador, como o fez Ortega para a recuperação da Espanha.

HELIO JAGUARIBE , 83, sociólogo, é decano do Instituto de Estudos Políticos Sociais e autor de, entre outras obras, "Brasil: Alternativas e Saídas".


Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Tarso Genro: A dispersão das ideologias

Próximo Texto: Painel do leitor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.