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Kafka no laboratório
É DESOLADORA a leitura do artigo dos neurocientistas
Mauro Rebello e Stevens
Rehen publicado na semana passada nesta Folha. Além de dedicarem-se a seu campo de pesquisa, um dos mais ativos na biociência contemporânea, têm de
desperdiçar tempo com a importação de materiais. Ou melhor,
com o cipoal burocrático.
Um cientista brasileiro espera
em média quatro meses para desembaraçar bens importados.
Equipamentos como microscópios param na Receita Federal.
Reagentes e material biológico,
como células ou DNA, na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em outros países,
isso se resolve em horas, ou dias.
Pressionado pela comunidade
científica, o governo começou a
se mexer. Em 20 de novembro, o
presidente Lula assinou o decreto nº 6.262, dando 90 dias de
prazo para quatro ministérios
simplificarem o processo. Em 26
de dezembro veio o primeiro
fruto: a Receita baixou a instrução normativa 799, facultando a
cientistas o chamado Canal Verde, o desembaraço automático.
Pesquisadores saudaram a iniciativa, mas seguem insatisfeitos
com a Anvisa. Ela pôs em consulta pública uma resolução que
deveria desburocratizar a liberação de materiais sob seu controle, por eventuais riscos à saúde.
A proposta preserva a mentalidade kafkiana. Conflita com o
artigo 3º do decreto ao manter a
exigência de licença prévia de
importação. Veda transporte como bagagem ou por firmas de
encomendas expressas, recursos
usados no mundo todo, mas permite correio convencional (que
não trabalha com material perecível, como amostras biológicas).
Não diferencia substâncias de
uso humano das de uso animal.
Felizmente, ainda é só uma
proposta. Espera-se que a Anvisa atente melhor no decreto presidencial e seja mais receptiva às
dezenas de sugestões de quem a
duras penas faz ciência no Brasil.
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