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ALÉM DA ELEIÇÃO
A ONU agiu relativamente conforme o esperado ao afirmar
que é favorável à realização de eleições diretas no Iraque, mas que é impraticável organizar um pleito direto
até o fim de junho. A avaliação da
missão das Nações Unidas na prática
referenda a posição norte-americana
de transferir o poder para um governo interino iraquiano escolhido indiretamente. O presidente George W.
Bush até já marcou data para a "entrega": 30 de junho.
Quem não gostou muito das declarações do líder da missão das Nações
Unidas, Lakhdar Brahimi, foi o aiatolá Ali al Sistani, uma das principais
lideranças xiitas do Iraque. Al Sistani
vem insistindo enfaticamente na realização de eleições diretas já. Suas razões são óbvias: os xiitas correspondem a cerca de 60% da população
iraquiana e tenderiam a votar monoliticamente.
Se o plano de Washington era criar
a primeira democracia árabe no
Oriente Médio, Bush deveria ter invadido um país menos multifacetado
do que o Iraque. Com efeito, a complexa configuração étnico-religiosa
ali existente -que congrega árabes
xiitas, árabes sunitas, curdos e persas, para não mencionar as pequenas minorias cristã e turcomena-
torna bem mais complexa a elaboração de um pacto federativo, que, logicamente, deveria anteceder a realização de um pleito.
Nunca é demais recordar: eleições
são apenas uma parte da democracia, regime que, para prosperar, exige mais. É preciso erguer um arcabouço institucional que estabeleça,
entre outras prioridades, uma independência mais ou menos harmônica entre os Poderes, o respeito a direitos de minorias e a distribuição de
competências e responsabilidades
entre os vários grupos e regiões que
formam o país. É nesse último quesito que se podem esperar problemas
mais agudos.
Por constituírem a maioria da população, os xiitas podem perfeitamente conquistar a maior fatia do
poder, mas isso não significa que
curdos e sunitas devam ficar alijados
das decisões -ou tiranicamente
submetidos à maioria. As diferenças
históricas entre os vários grupos e as
terríveis agressões que o regime de
Saddam Hussein impôs a xiitas e
curdos sugerem uma busca por vingança que levaria à perseguição contra os sunitas, a facção dominante
até a queda do ditador.
Há mais. Que grau de independência se deve dar aos grupos minoritários? Conceder muita autonomia aos
curdos pode gerar, entre outras complicações, um problema com a Turquia, cuja minoria curda também
acalenta sonhos separatistas.
Criar uma democracia depois de
décadas de sangrenta ditadura não é
tarefa fácil. No Iraque, com o agravante dos vários grupos étnicos e religiosos, o desafio é ainda maior.
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