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TENDÊNCIAS/DEBATES
A eleição de um democrata pode mudar a política externa norte-americana?
NÃO
Sobre a capacidade de matar
GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
O xalá mude o personagem, mas
permanecerá o mesmo teatro da
crueldade se o companheiro Bush for
posto para correr pelas urnas, com o
momentâneo alívio catártico mundial
diante de seu aguçado instinto de morte. Trata-se de um tânatos violento dirigido contra a humanidade, cuja etiologia talvez esteja no hábito contraído em
sua adolescência e mocidade: o hábito
macdonaldiano de comer hambúrguer.
Manducação apressada. Bandeijão auto-service afluente. Afinal, a paz é um
fenômeno digestivo.
Equívoco, no entanto, é demonizá-lo
como uma excrescência psicológica.
Não nos esquecemos que, flatulento,
péptico, dentes podres, com mau hálito
insuportável, Hitler foi amado apaixonadamente por Eva Braun. Quem sabe
Bush não seja um tesão de homem no
recôndito de sua intimidade?
A sádica capacidade de matar não é só
dele, é um ethos generalizado, uma personalidade básica entranhada na civilidade do imperialismo videofinanceiro
durante a etapa declinal e agônica do
combustível petróleo, que é fóssil, esgotável, finito e não-renovável.
Sediadas nos EUA e com interesses
norte-americanos, em estreita simbiose
bélica e militarista com o dólar comprando petróleo no Oriente Médio, as
grandes corporações transnacionais decidem a morfologia do poder político.
São elas que fazem a cabeça do Estado.
Dificilmente um candidato democrata
eleito conseguirá escapar desse condicionamento econômico objetivo. Sob
tal ângulo, a pugna eleitoral entre democrata e republicano lembraria um
pouco a picuinha de triste memória da
Arena versus MDB.
Ultimamente virou lugar comum dizer que o mundo só vai mudar para melhor se, no interior da sociedade norte-americana, houver uma radical metamorfose na opinião pública ou na consciência popular. Eu já li filósofos marxistas contemporâneos defendendo a
tese de que o futuro do socialismo em
escala universal será decidido nos Estados Unidos. Resta saber se ficaremos,
em outras paragens, chupando o dedo
ou morrendo de medo. Esperando a decisão revolucionária tomada na área capitalista a mais desenvolvida do planeta.
O problema é que a opinião pública
norte-americana está convencida (independente do resultado das urnas) de
que o comportamento bélico dos Estados Unidos no exterior acaba por gerar
ganhos e dividendos para a sociedade lá
deles. A guerra no Oriente Médio é um
meio de dar sobrevida ao petróleo norte-americano, o qual já foi consumido
em 90% de suas próprias reservas. O detalhe escandaloso é que os EUA consomem 8 bilhões de barris por ano, enquanto as nossas reservas medidas pela
Petrobrás são de 12 bilhões de barris.
Todavia, o atual governo não toma nenhuma iniciativa a favor do álcool e dos
óleos vegetais. Essa alienação energética
do governo Lula vai custar caro ao país e
ao povo, perto do que o apagão será um
piquenique.
Dir-se-ia então que, apesar de todos
os dissabores e constrangimentos, sendo cada vez mais desamados no mundo
inteiro, eles -os hermanos do norte-
se consideram felizes e afortunados. E,
para evocar um bacanudo do pensamento dialético, os felizes não são piedosos.
Das vozes de muita gente boa e bem
intencionada, ouvimos a doce esperança de que os EUA irão perdoar a nossa
impagável e sisífica dívida externa. Chega. Basta. Daqui em diante vocês não
deverão nenhum tostão.
Por mais que a exploração imperialista financeira realizada em vários países
não enriqueça o povo da nação hegemônica, somente por obra e graça do
Espírito Santo acontecerá o milagre do
perdão da dívida externa do Terceiro
Mundo.
Se o presidente Kennedy (que molhava malandramente de subsídios as
mãos dos governadores anti-João Goulart, como Magalhães Pinto, Ademar de
Barros e Carlos Lacerda) não fosse apagado em Dallas, substituído por Lindon
Johnson, não teria sido desencadeado o
golpe de Estado que cortou nossa democracia em 1964? Hoje não é mais a
Guerra Fria entre EUA e URSS. Hoje é a
videoguerra quente pela posse do petróleo que movimenta as sociedades industriais. Tanto é que os países europeus fizeram um acordo tácito com a
aprontação do companheiro Bush.
França e Alemanha não têm petróleo.
Qualquer guri de ginásio sabe que a
invasão do Iraque não foi para caçar o
pusilânime do Saddam e as suas armas
químicas. O terrorismo é subterfúgio.
Oitenta por cento das reservas mundiais do petróleo estão localizadas no
Oriente Médio. É nesse botim da guerra
que os EUA estão de olho gordo, não
importando se o presidente seja republicano ou democrata.
Gilberto Felisberto Vasconcellos, 50, é professor de ciências sociais na Universidade Federal
de Juiz de Fora (MG). É autor de "O Príncipe da
Moeda" (ed. Espaço e Tempo, 1997), entre outras obras.
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