São Paulo, quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

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Comovidos com razão

Congresso deve dar resposta ao clamor por segurança sem fomentar ilusões, mas adotando providências imediatas

PELA QUARTA VEZ em sete anos, o Congresso Nacional é sacudido da modorra corporativista por um crime monstruoso e se apressa a dar alguma satisfação ao público acossado pela insegurança. A atmosfera emocional não é decerto a mais propícia para decidir racionalmente temas graves como o da maioridade penal. Sendo essa a única oportunidade à mão, que se enfrente o debate ao menos com a serenidade possível.
Mais de duas dezenas de emendas constitucionais já foram propostas para alterar o artigo 228 da Constituição, que fixa em 18 anos a idade em que o cidadão se torna imputável e é por alguns juristas considerada cláusula pétrea da Carta. Nenhuma prosperou até agora. Novo fracasso só agravará o divórcio entre Parlamento e população.
A Comissão de Constituição e Justiça do Senado anuncia a retomada da discussão de seis propostas de emenda constitucional (PECs) que modificam a inimputabilidade de adolescentes e crianças. É duvidoso que a mobilização atual possa desfazer os argumentos contra a medida isolada. É improvável que seja capaz de provê-la de eficácia quanto ao objetivo consensual: reinstaurar a segurança pública.
Somente 17% de 57 países incluídos num levantamento da ONU admitem condenação de menores de 18 anos. Os mais célebres são Estados Unidos e Reino Unido, ambos dotados de sistemas prisionais eficientes. E também, cabe lembrar, de uma rede social de apoio que previne a entrada de jovens no crime.
No Brasil, reduzir a maioridade penal para 16 anos implicaria abandonar jovens criminosos, em princípio mais recuperáveis que adultos, a cuidado dos facínoras que detêm o poder nas pocilgas que chamamos de prisões. É o que já acontece na prática, uma vez que não se distinguem delas muitos dos estabelecimentos a que são recolhidos menores para cumprimento de fictícias medidas socioeducativas.
Mesmo que uma das PECs vingasse, seu efeito sobre a segurança pública seria limitado. Apenas cerca de 10% dos crimes são praticados por crianças e adolescentes. Nos homicídios dolosos, a parcela cai para 1%.
Mais sentido haveria na proposta de modificar o Estatuto da Criança e do Adolescente, e não a Constituição. Diante do imperativo de combater a impunidade e de afastar do meio social indivíduos perigosos, ressalta a insuficiência do limite máximo de três anos para a internação de criminosos juvenis. É preciso elevá-lo para pelo menos dez anos.
Seria crucial reservar a medida, contudo, para crimes dolosos contra a vida. Também é prudente circunscrevê-la por critérios estritos, com efetivo direito de defesa. De outro modo, haveria o risco de que redundasse numa pena de aplicação automática. Ademais, a reclusão precisaria ser feita em instituições especiais, que separassem menores violentos de simples infratores.
É notório que tal medida isoladamente não bastaria para refrear a criminalidade. Isso em nada diminui a obrigação de tornar o sistema penal mais eficaz. Se o exame de medidas pontuais não deve sucumbir ao turbilhão emocional, já não resta dúvida de que é imperioso adotar providências de efeito imediato, pois a situação ultrapassou todos os limites do tolerável.


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