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TENDÊNCIAS/DEBATES
Têm sido acertadas as ações do governo de SP
para melhorar a educação básica no Estado?
NÃO
Professor nota zero?
ÂNGELA SOLIGO
NOS ÚLTIMOS 15 anos, proliferou no país uma "febre" avaliativa nas políticas educacionais, que marca também as propostas
do Estado de São Paulo.
Para atender aos índices de desenvolvimento impostos pelo FMI e a
pretexto de garantir a qualidade da
educação, Provão, Enade, Enem,
Saeb, Provinha Brasil e Saresp passaram a fazer parte do cotidiano de instituições de ensino em todos os níveis
e, aos poucos, foram retirando do professor -responsável pela organização
do processo de aprendizagem- a
competência para avaliar segundo
critérios realistas e justos.
Esses processos avaliativos baseiam-se em instrumentos padronizados, inspirados na ideia de meritocracia: padronização na desigualdade
-provas iguais para realidades e condições de aprendizagem e de existência desiguais.
Agora, no Estado de São Paulo,
além do aluno, torna-se o professor
alvo dessa política. Em especial, o
professor temporário. Por meio de
uma prova, decide-se quem é o bom
professor e confere-se a ele o direito
de escolher a escola em que irá trabalhar. Tal medida garantiria a melhoria da educação oferecida aos estudantes das escolas paulistas.
Mas a experiência mostra que os
professores mais bem avaliados escolhem as escolas com as melhores condições de trabalho, o que só contribui
para ampliar o abismo educacional e
social que marca o nosso Estado.
Não defendo aqui que não se avalie,
mas me contraponho a esse processo
avaliativo. É possível pensar em outros mecanismos de avaliação: pelos
pares, pelos alunos, pelos produtos do
processo de ensino-aprendizagem,
que representam perspectiva mais
democrática e realista, pois levam em
conta os sujeitos do processo e as condições de produção.
Mas há outros pontos a considerar.
O primeiro deles é o princípio meritocrático, que "enche a boca" de políticos, estudiosos, curiosos etc. A questão do mérito não pode ser desvinculada das condições de produção do sujeito e suas competências.
Não se pode de fato falar de mérito
em condições tão desiguais de existência, seja de alunos, seja de professores. Na desigualdade profunda que
nos marca, no máximo podemos falar
em mérito relativo, o que torna os instrumentos de avaliação -as provas-
um fraco indicador de qualidade.
Pior ainda quando são publicadas
notícias espetaculares que acabam
por generalizar para todos os docentes a marca da incompetência. A consequência de um processo democrático não pode ser um ranking e a delação dos incompetentes, mas a busca e
a produção coletiva de soluções adequadas a cada realidade escolar, promotoras de compromisso e solidariedade, não de desespero e vergonha.
Ora, os discursos oficiais, que colocam na competência do professor e
nos cursos de capacitação toda a responsabilidade pela melhoria da educação, vêem reforçada nesses dados
sua tese de que, para que a educação
"ande nos trilhos", basta o esforço do
professor e a liderança do gestor.
Mas será isso mesmo? Será que podemos esperar que a educação melhore se promovermos cada vez mais
processos avaliativos e classificatórios que somente apontam culpados,
mas não levam a efetivas mudanças
nas condições educacionais?
Podemos esperar um professor altamente qualificado com os baixos salários praticados no Estado, a carga
horária desumana, as salas de aula superlotadas, as escolas sucateadas, as
bibliotecas empobrecidas ou trancadas, os processos de exclusão da cultura do aluno e de sua família?
Já nos esquecemos de que as políticas para a educação no Estado têm
sistematicamente sequestrado a autonomia do professor, relegado ao papel de mero executor de tarefas?
Será que podemos esperar que as
coisas melhorem se o investimento
do Estado com educação não se tem
ampliado, e reivindicações nessa direção não têm eco?
Sabemos que não se pode reduzir
os problemas da educação à questão
salarial nem a qualquer um dos fatores mencionados. É o conjunto deles,
conjugado e democraticamente instituído, que pode garantir verdadeiro
salto de qualidade nos rumos da Educação do Estado de São Paulo.
ÂNGELA SOLIGO , doutora em psicologia pela Pontifícia
Universidade Católica de Campinas, é professora da Faculdade de Educação da Unicamp e coordenadora do curso
de pedagogia da mesma universidade.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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