São Paulo, domingo, 14 de fevereiro de 2010

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Aventura em Teerã

Brasil deveria abandonar o papel de advogado de defesa do atual governo iraniano e cancelar a visita de Lula ao país

NO MOMENTO em que EUA e Irã acirram o embate em torno do programa nuclear do país persa, nada obriga o Brasil a alinhamentos automáticos.
Ao mesmo tempo em que é razoável duvidar da eficácia das sanções ora defendidas pelos norte-americanos, cumpre romper com o papel de advogado de defesa do autoritário governo iraniano -função que o país parece querer desempenhar desde a reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad, em junho do ano passado.
Dentro do quadro que se configura, seria prudente suspender a viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Irã, programada para maio, como contrapartida à vinda do mandatário iraniano ao Brasil, em 2009.
Razões pragmáticas e de princípios se unem para tornar recomendável o cancelamento. Sob violenta repressão policial, milhares de iranianos têm se manifestado contra as restrições aos direitos civis impostas pelo regime dos aiatolás.
Em resposta, a teocracia islâmica condena opositores à morte. Não faz sentido o Brasil apressar-se em ser compreensivo com um governo que enforca dissidentes. Foi isso o que fez, no entanto, logo após a controversa eleição de Ahmadinejad.
Não bastassem as circunstâncias políticas, agravam-se os confrontos relativos ao desenvolvimento de tecnologia nuclear pela república islâmica. As declarações do governo local a esse respeito não podem ser divorciadas da lógica da política interna do país. É recurso conhecido de regimes autoritários, ou que enfrentem crise de legitimidade, a tentativa de galvanizar o apoio da população em torno de algum projeto nacional, ao mesmo tempo em que se demonizam as críticas vindas do exterior.
O domínio do processo de enriquecimento do urânio é um projeto antigo dos iranianos, que afirmam persegui-lo apenas para uso energético e em tratamentos medicinais. O país, entretanto, dificulta a fiscalização da Agência Internacional de Energia Atômica e recusou, tal como apresentada, a proposta de EUA, França e outros países ocidentais de realizar o processamento do urânio no exterior.
Daí o desejo dos EUA de impor sanções. É razoável, em contrapartida, o argumento do chanceler Celso Amorim de que medidas que afetem a economia iraniana podem ser contraproducentes e dificultar um desenlace negociado. Ele também acerta ao condenar a recente bravata de Ahmadinejad, que alardeou a capacidade de produzir urânio enriquecido ao nível de 80%, próximo ao patamar necessário para fazer a bomba.
Se realizado, tal procedimento representaria uma clara violação ao acordo internacional de não proliferação de armas nucleares.
O modo como se desenvolverá o embate entre Irã e países ocidentais é imprevisível. O Brasil nada terá a ganhar ao se fazer representar, em maio próximo, no lugar errado, na hora errada.
A política externa brasileira, tradicionalmente conhecida por sua discrição, equidistância e passos seguros, tem sido marcada, em especial no segundo mandato do presidente Lula, por comportamentos erráticos e decisões trêfegas. Servem como exemplos o apoio incondicional, em Honduras, ao presidente deposto Manuel Zelaya e, no caso do Irã, ao governo de Ahmadinejad. O país saiu derrotado -e sua imagem, prejudicada- no primeiro caso. Ainda há tempo para reparar o erro, no segundo.


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