São Paulo, domingo, 14 de fevereiro de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Brasil entra no clima

CARLOS MINC


Governos estaduais, empresários, cientistas e cidadãos começam a se mobilizar. Os caminhos estão sendo definidos

O QUE até há pouco parecia impossível aconteceu. O Brasil elaborou um plano de mudanças climáticas, estabeleceu metas de redução de emissões de carbono, aprovou uma lei definindo instrumentos para atingir as metas e outra lei criando o fundo de mudanças climáticas, originado de 10% dos lucros do petróleo.
Sancionadas pelo presidente Lula em dezembro de 2009, foram apresentadas um ano antes pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e aperfeiçoadas pelo Congresso, e estão em elaboração os decretos com os mecanismos para sua implementação.
A economia real deve entrar no clima. Se mecanismos como juros, tributos e créditos estiverem divorciados dos princípios ambientais e climáticos, estes serão apenas utopias não realizadas.
Em 2009, o Ministério da Fazenda decretou quatro medidas propostas pelo MMA.
Uma delas estabeleceu tratamento tributário diferenciado para as geladeiras, ares-condicionados etc. mais eficientes, que consomem menos energia emitindo menos carbono.
A segunda definiu IPI diferenciado para carros a etanol ou flex.
A terceira medida desonerou os equipamentos eólicos, como torres, hélices e turbinas, ajudando o sucesso do leilão de energia eólica de dezembro, que arrematou 1.700 MW com deságio de 25%. Isso ajudará a criar um parque eólico no Brasil, com leilões anuais, atualização dos inventários eólicos e conexão dessas fontes à rede nacional.
Essas são algumas das medidas elencadas na Carta dos Ventos, que lançamos com 20 secretários estaduais de Energia em junho de 2009, em Natal (RN).
A quarta medida definida pelo ministro Mantega foi a desoneração dos materiais reciclados, sob a forma de crédito presumido às empresas que adquirirem papel, plástico, vidro, alumínio etc. das cooperativas de catadores, estimulando a indústria da reciclagem e a melhor remuneração dos catadores. Quando se reutilizam esses materiais, reaproveita-se a energia utilizada em sua produção, evitando emissões de CO2.
As próximas medidas desonerarão tributos dos carros elétricos e da energia renovável gerada a partir do lixo, tanto do metano quanto a resultante de incineração.
Em janeiro deste ano, assinamos o maior contrato de aproveitamento de metano, do aterro de Gramacho (RJ), com a Petrobras, o governo estadual e a Prefeitura do Rio de Janeiro, a Comlurb e o MMA. O metano é um gás de efeito estufa que emite por parte 21 vezes mais que o CO2. O metano acumulado em Gramacho é capaz de suprir todo o consumo residencial do Rio e será utilizado pela refinaria de Duque de Caxias (Reduc).
Estabelecemos na licença que parte dos créditos de carbono será destinada à recuperação dos manguezais e à constituição do Fundo de Valorização dos Catadores. Essas medidas integram a Lei do Clima, cujas metas foram inscritas pelo Brasil na Convenção do Clima da ONU.
As compras públicas deverão se nortear por critérios de sustentabilidade socioambiental e climática, com produtos recicláveis, de baixa intensidade de carbono, gerados com energia renovável. Nas licitações, além do menor preço, será considerada a tecnologia que reduza emissões de CO2.
No Brasil, a principal contribuição ao aquecimento global vem do desmatamento. Medidas fortes reduziram o desmatamento da Amazônia de 2009 ao menor índice desde que é monitorado pelo Inpe (22 anos).
Triplicamos a fiscalização, cortamos o crédito dos desmatadores, capturamos e leiloamos o boi pirata nas unidades de conservação e terras indígenas e entregamos os recursos ao Bolsa Família.
Devemos ampliar o desenvolvimento sustentável, com a operação Arco Verde, o Fundo Amazônia, a piscicultura, a recuperação de áreas degradadas e o manejo florestal sustentável. Enfrentaremos o desmatamento do cerrado, que agora integra as metas nacionais de redução de emissões. O Fundo Clima destinará R$ 1 bilhão por ano para mitigação e adaptação das regiões mais vulneráveis às mudanças do clima, como o Nordeste e zonas do litoral.
Governos estaduais, empresários, cientistas e cidadãos começam a se mobilizar, respondendo positivamente às necessárias mudanças nos nossos padrões de produção e de consumo. Falta muito, mas os caminhos estão sendo definidos. O Brasil começa a entrar no clima.


CARLOS MINC BAUMFELD , doutor em economia, é o ministro do Meio Ambiente.

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