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RUY CASTRO
Palas e poses
RIO DE JANEIRO - Lidas assim,
nuas, sem outros balangandãs verbais que ajudem a lhes emprestar
sentido, as palavras acima parecem
agora foragidas do teatro grego ou
de um poema medieval. Mas não
-são palavrinhas bem nossas, de
uso corriqueiro até outro dia, e que
ameaçam se evaporar da língua
porque as pessoas começaram a deturpar o jeito de escrevê-las.
Pala, por exemplo. É um enfeite
de vestido feminino, uma dobra
perto da gola, algo assim. Ou aquela
parte do boné, também chamada
aba, que os meninos usam ao contrário, para evitar que a nuca tome
sol. Ou a venda preta dos piratas.
Enfim, pala é um ornamento, uma
coisa meio secundária, um quase
nada. Daí o vulgo ter inventado, em
tempos idos, a expressão "dar uma
pala" -ou seja, resumir, adiantar o
assunto, dar apenas uma pista do
que se vai dizer. Por extensão, chegou-se a "dar uma palinha", que significa ser ainda mais sucinto.
Mas, ultimamente, por ignorância da língua, pela pouca intimidade
com a gíria ou pelo crescente desprestígio das palas, as pessoas começaram a escrever "dar uma palhinha", pensando estar dizendo
"dar uma palinha". Não faz sentido
e, questionadas sobre o porquê da
palhinha, não saberão responder.
A outra palavra é posar -ficar fixo numa posição para ser retratado
por um fotógrafo ou pintor. Há séculos que, na língua portuguesa, as
pessoas vêm posando para os artistas e sendo felizes para sempre. Só
que, de uns tempos para cá, tenho
lido que, em vez de modestamente
posar, fulano "pousou" para um retrato ou foto.
Nesses momentos, não resisto.
Imagino o fulano vindo pelos ares,
planando com a graça de uma cotovia e pousando com a maior classe
no poleiro do estúdio ou do ateliê, a
fim de ser retratado.
Tudo bem. Mas a língua derrapa e
se estabaca.
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