São Paulo, quarta-feira, 14 de março de 2007

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RUY CASTRO

Palas e poses

RIO DE JANEIRO - Lidas assim, nuas, sem outros balangandãs verbais que ajudem a lhes emprestar sentido, as palavras acima parecem agora foragidas do teatro grego ou de um poema medieval. Mas não -são palavrinhas bem nossas, de uso corriqueiro até outro dia, e que ameaçam se evaporar da língua porque as pessoas começaram a deturpar o jeito de escrevê-las.
Pala, por exemplo. É um enfeite de vestido feminino, uma dobra perto da gola, algo assim. Ou aquela parte do boné, também chamada aba, que os meninos usam ao contrário, para evitar que a nuca tome sol. Ou a venda preta dos piratas. Enfim, pala é um ornamento, uma coisa meio secundária, um quase nada. Daí o vulgo ter inventado, em tempos idos, a expressão "dar uma pala" -ou seja, resumir, adiantar o assunto, dar apenas uma pista do que se vai dizer. Por extensão, chegou-se a "dar uma palinha", que significa ser ainda mais sucinto.
Mas, ultimamente, por ignorância da língua, pela pouca intimidade com a gíria ou pelo crescente desprestígio das palas, as pessoas começaram a escrever "dar uma palhinha", pensando estar dizendo "dar uma palinha". Não faz sentido e, questionadas sobre o porquê da palhinha, não saberão responder.
A outra palavra é posar -ficar fixo numa posição para ser retratado por um fotógrafo ou pintor. Há séculos que, na língua portuguesa, as pessoas vêm posando para os artistas e sendo felizes para sempre. Só que, de uns tempos para cá, tenho lido que, em vez de modestamente posar, fulano "pousou" para um retrato ou foto.
Nesses momentos, não resisto. Imagino o fulano vindo pelos ares, planando com a graça de uma cotovia e pousando com a maior classe no poleiro do estúdio ou do ateliê, a fim de ser retratado.
Tudo bem. Mas a língua derrapa e se estabaca.


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