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TENDÊNCIAS/DEBATES
Premiação e castigo na educação
IVAN VALENTE
A política de avaliações sucessivas e de bolsas e bônus de baixo valor não resolverá a grave crise da educação e poderá agravá-la
AS MEDIDAS adotadas pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo têm sido ungidas como a "salvação da lavoura", particularmente a premiação com bônus
financeiro para diretores, professores
e funcionários, com base especialmente em exames de avaliação de
alunos, como o Saresp.
A secretária Maria Helena Castro,
em entrevista à revista "Veja", disse
que é preciso liquidar alguns mitos na
educação. Para ela são mitos: que deve haver isonomia salarial entre professores, que melhores salários levam
à melhoria do ensino, que o número
de alunos por sala de aula interfere na
qualidade do aprendizado, que a escola pública é carente de recursos. Para
a secretária, nossos educadores ganham bem, e os recursos educacionais são suficientes. Maria Helena
sentenciou que fecharia todas as faculdades de pedagogia do país, inclusive USP e Unicamp, porque elas se
prestam ao "desserviço" de divulgar
esses mitos.
Os tucanos estiveram oito anos no
governo central e governam São Paulo há 13. FHC vetou o dispositivo do
Plano Nacional de Educação que elevava o gasto público com educação de
3,7% para 7% do PIB. Criaram um
pseudo-sistema nacional de avaliação
para esconder a política de corte dos
recursos. Seu objetivo sempre foi diminuir o papel do Estado e atribuir-lhe papel apenas regulatório.
Que resultado o país pode exibir
nesses últimos 13 anos que não seja a
constatação da péssima qualidade do
nosso ensino, da degradação das condições de nossos educadores, do retrato cruel do analfabetismo funcional de 60 milhões de brasileiros? As
políticas de fundos para a educação
de FHC e de Lula não passam de socialização da miséria. Alguém acredita que o suplemento da União a Estados e municípios, de apenas R$1 bilhão ao ano de recursos novos nos
próximos quatro anos, para um universo de 50 milhões de estudantes da
educação básica, resultará em algum
impacto real na qualidade de ensino?
Podemos nos fiar que a instituição de
um piso salarial para o magistério
brasileiro de pouco mais de R$ 450
por 20 horas semanais estimule a carreira? Enquanto isso, o país desembolsa R$160 bilhões por ano em juros
da dívida pública.
Maria Helena, ao afirmar que o número de alunos por sala de aula é irrelevante para a qualidade da aprendizagem, lembra-nos o documento do
Banco Mundial, sua bíblia, que afirma
que "nos países de baixa e média renda é necessário diminuir o número de
professores, aumentar o número de
alunos em sala de aula e utilizar novas
tecnologias educacionais". Em São
Paulo, há até 65 alunos por sala de aula, quando o recomendado pela Unesco é de no máximo 35 alunos. Para o
Banco Mundial, professor é encargo.
Só quem não conhece a realidade
da sala de aula e suas brutais precariedades pode achar que os problemas
centrais da educação pública são falta
de liderança, falhas de gestão e professores faltosos. Esses problemas
certamente existem e devem ser atacados e ter suas causas buscadas. Por
isso, não dá para sofismar: não há melhora qualitativa na educação sem investimento público pesado na formação continuada de professores, salários dignos que resgatem sua auto-estima, infra-estrutura adequada e participação da comunidade nos rumos
educacionais.
Essa política do governo Serra, hoje
também aplicada em âmbito federal,
de realizar avaliações sucessivas e superpostas com provas, provinhas e
provões e, posteriormente, oferecer
bolsas, bolsinhas e bônus de baixo valor, estabelecendo concorrência entre escolas e entre professores, numa
lógica de mercado, não resolverá em
absoluto nossa grave crise educacional -possivelmente, a agravará.
Alguns efeitos previsíveis dessa política de premiação e punição devem
se revelar. A vinculação dos recursos
ao desempenho dos alunos tende a
afastar das escolas que atendem a alunos mais carentes os melhores professores, pois estes sabem que essas
crianças apresentam pior desempenho em testes padronizados. Outro
efeito é que tenderá a haver uma corrida para as escolas com melhor desempenho da parte de alunos com notas mais elevadas, cuja presença é benéfica para o conjunto da turma. Fica
explícito, assim, que esse tipo de política só tende a aumentar a distância
dos desempenhos obtidos pelos alunos da mesma rede.
Mito mesmo é acreditar que o papel
do Estado é estimular a produção de
qualidade por meio de comparação,
classificação e seleção, cujo efeito é
produzir mais exclusão. Algo incompatível com o dito constitucional:
Educação é dever do Estado e direito
do cidadão.
IVAN VALENTE, 61, engenheiro mecânico, é deputado federal pelo PSOL-SP e membro da Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara dos Deputados.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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