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TENDÊNCIAS/DEBATES
O pacote habitacional do governo é a melhor
saída para resolver o déficit do setor no país?
SIM
A população de baixa renda em mudança
JOÃO CRESTANA
O DÉFICIT habitacional brasileiro de 8 milhões de moradias
pode estar prestes a dar o primeiro passo rumo à solução. Com as
medidas do governo federal que virão
no pacote a ser anunciado brevemente, esperamos que o presidente Lula e
os ministros da Casa Civil e da Fazenda honrem o compromisso de adotar
ações de longo prazo, que permitam a
produção de moradias populares para
a baixa renda nos próximos 15 anos.
Na verdade, os empresários querem que o pacote se transforme em
política nacional de habitação e que o
governo atenda, de imediato, duas
reivindicações: a concessão de subsídios para as famílias de baixa renda,
sobretudo as com renda familiar de
zero a três salários mínimos -faixa
que representa mais de 80% da população sem condições de moradia-, e
a ampla desoneração tributária.
Se considerarmos que o salário mínimo nacional é de R$ 465 e que muitas famílias sobrevivem com menos
do que essa renda, para adquirirem
uma moradia de R$ 35 mil, elas precisam de subsídios governamentais.
A proposta do setor é que os subsídios
sejam liberados, de preferência, em
nome da mulher da família e que sejam inversamente proporcionais à
renda familiar, ou seja, quem ganha
menos recebe mais e vice-versa.
A explicação é lógica e simples: uma
família residente em Belo Horizonte,
por exemplo, com dois membros
(mulher e um filho em idade escolar)
e renda de R$ 350, não pode assumir
uma prestação habitacional de R$
105, referente a 30% do valor do imóvel exemplificado, e ao mesmo tempo
custear a alimentação, já que lá a cesta básica é de R$ 203,46. Como arcar
com uma prestação habitacional se
não há condições nem de comer?
Já uma família com renda mensal
de R$ 1.395 -o equivalente a três salários mínimos-, dependendo do número de pessoas, consegue assumir
uma prestação, mesmo que mínima,
e ao mesmo tempo arcar com as despesas de alimentação, água e luz.
O ser humano tem de trabalhar, estudar, morar, comer, vestir, ou seja,
viver dignamente. São direitos garantidos na Constituição Federal.
Contudo, para que os empresários
possam se aproximar da meta do governo de construir 1 milhão de moradias, é essencial, além de subsídios,
desoneração tributária sobre o produto imobiliário. As lideranças do
mercado que têm negociado com o
governo nestes últimos três meses
sugeriram a mudança da alíquota do
RET (Regime Especial Tributário) de
7% para zero ou 1% na produção
de habitação de interesse social.
O RET é um benefício tributário
para as empresas optantes do patrimônio de afetação, que dá maior segurança aos bancos e aos consumidores. O recolhimento de 7% compreende os seguintes tributos federais:
IRPJ, PIS/Pasep, CSLL e Cofins. Essa
é a forma mais direta de reduzir o preço final da habitação. Ora, o governo
federal tem de fazer a sua parte. A redução do IPI dos materiais de construção e a do ICMS significam queda
mínima no preço final de uma unidade habitacional. A desoneração tem
de se refletir no bolso do comprador.
Além disso, deve haver robusta previsão do Orçamento Geral da União
para o financiamento de moradias
populares. Apesar de o FGTS contar
com a disponibilidade de R$ 80 bilhões e destinar, anualmente, volume
expressivo para o financiamento à
produção e à aquisição habitacional,
não há como construir 1 milhão de
imóveis contando com essa única
fonte de recursos, sob risco de comprometer a saúde financeira do fundo
e tirar a tranquilidade do trabalhador,
que compulsoriamente dispõe de 8%
de seu salário para alimentar o FGTS.
Um mercado imobiliário atuante
aquece a economia e tranquiliza consumidores em momentos de crise. Se
o pacote do governo privilegiar medidas duradouras, sairemos dessa fase
de desaceleração. Apesar de ainda hipotética, a meta de construir 1 milhão
de moradias pode criar 300 mil empregos diretos e 230 mil indiretos em
um ano, de acordo com estudos
da Fundação Getulio Vargas. Logo,
teríamos 530 mil novos postos.
Investir em habitação não é gasto.
JOÃO CRESTANA , 54, engenheiro de produção com mestrado em engenharia industrial pela Universidade Stanford (EUA), é presidente do Secovi-SP e da Comissão da Indústria Imobiliária da Câmara Brasileira da Indústria da Construção e titular da Torrear Incorporações e Planejamento Imobiliário.
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