São Paulo, sábado, 14 de março de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O pacote habitacional do governo é a melhor saída para resolver o déficit do setor no país?

SIM

A população de baixa renda em mudança

JOÃO CRESTANA

O DÉFICIT habitacional brasileiro de 8 milhões de moradias pode estar prestes a dar o primeiro passo rumo à solução. Com as medidas do governo federal que virão no pacote a ser anunciado brevemente, esperamos que o presidente Lula e os ministros da Casa Civil e da Fazenda honrem o compromisso de adotar ações de longo prazo, que permitam a produção de moradias populares para a baixa renda nos próximos 15 anos.
Na verdade, os empresários querem que o pacote se transforme em política nacional de habitação e que o governo atenda, de imediato, duas reivindicações: a concessão de subsídios para as famílias de baixa renda, sobretudo as com renda familiar de zero a três salários mínimos -faixa que representa mais de 80% da população sem condições de moradia-, e a ampla desoneração tributária.
Se considerarmos que o salário mínimo nacional é de R$ 465 e que muitas famílias sobrevivem com menos do que essa renda, para adquirirem uma moradia de R$ 35 mil, elas precisam de subsídios governamentais. A proposta do setor é que os subsídios sejam liberados, de preferência, em nome da mulher da família e que sejam inversamente proporcionais à renda familiar, ou seja, quem ganha menos recebe mais e vice-versa.
A explicação é lógica e simples: uma família residente em Belo Horizonte, por exemplo, com dois membros (mulher e um filho em idade escolar) e renda de R$ 350, não pode assumir uma prestação habitacional de R$ 105, referente a 30% do valor do imóvel exemplificado, e ao mesmo tempo custear a alimentação, já que lá a cesta básica é de R$ 203,46. Como arcar com uma prestação habitacional se não há condições nem de comer?
Já uma família com renda mensal de R$ 1.395 -o equivalente a três salários mínimos-, dependendo do número de pessoas, consegue assumir uma prestação, mesmo que mínima, e ao mesmo tempo arcar com as despesas de alimentação, água e luz. O ser humano tem de trabalhar, estudar, morar, comer, vestir, ou seja, viver dignamente. São direitos garantidos na Constituição Federal.
Contudo, para que os empresários possam se aproximar da meta do governo de construir 1 milhão de moradias, é essencial, além de subsídios, desoneração tributária sobre o produto imobiliário. As lideranças do mercado que têm negociado com o governo nestes últimos três meses sugeriram a mudança da alíquota do RET (Regime Especial Tributário) de 7% para zero ou 1% na produção de habitação de interesse social.
O RET é um benefício tributário para as empresas optantes do patrimônio de afetação, que dá maior segurança aos bancos e aos consumidores. O recolhimento de 7% compreende os seguintes tributos federais: IRPJ, PIS/Pasep, CSLL e Cofins. Essa é a forma mais direta de reduzir o preço final da habitação. Ora, o governo federal tem de fazer a sua parte. A redução do IPI dos materiais de construção e a do ICMS significam queda mínima no preço final de uma unidade habitacional. A desoneração tem de se refletir no bolso do comprador.
Além disso, deve haver robusta previsão do Orçamento Geral da União para o financiamento de moradias populares. Apesar de o FGTS contar com a disponibilidade de R$ 80 bilhões e destinar, anualmente, volume expressivo para o financiamento à produção e à aquisição habitacional, não há como construir 1 milhão de imóveis contando com essa única fonte de recursos, sob risco de comprometer a saúde financeira do fundo e tirar a tranquilidade do trabalhador, que compulsoriamente dispõe de 8% de seu salário para alimentar o FGTS.
Um mercado imobiliário atuante aquece a economia e tranquiliza consumidores em momentos de crise. Se o pacote do governo privilegiar medidas duradouras, sairemos dessa fase de desaceleração. Apesar de ainda hipotética, a meta de construir 1 milhão de moradias pode criar 300 mil empregos diretos e 230 mil indiretos em um ano, de acordo com estudos da Fundação Getulio Vargas. Logo, teríamos 530 mil novos postos. Investir em habitação não é gasto.

JOÃO CRESTANA , 54, engenheiro de produção com mestrado em engenharia industrial pela Universidade Stanford (EUA), é presidente do Secovi-SP e da Comissão da Indústria Imobiliária da Câmara Brasileira da Indústria da Construção e titular da Torrear Incorporações e Planejamento Imobiliário.


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