São Paulo, sábado, 14 de abril de 2007

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Os alquimistas

A proposta do fim da reeleição não esconde a motivação personalista e prejudica a estabilidade das regras democráticas

GOVERNO e oposição entram em entendimentos na questão da reforma política. A notícia poderia ser boa. É na verdade péssima. Longe de dizer respeito a novos mecanismos de aperfeiçoamento da democracia no país, o que leva tucanos como José Serra e Jutahy Magalhães a acertar o passo com os petistas Jaques Wagner e Tarso Genro é uma proposta requentada e casuística.
Negocia-se o fim da reeleição para os cargos no Executivo, e o aumento dos mandatos para cinco anos. Argumentos teóricos podem ser invocados, sem dúvida, para se condenar o princípio da reeleição. O debate teve o seu momento em 1997, quando se optou por conceder ao então presidente Fernando Henrique Cardoso a possibilidade de disputar um segundo mandato. Sabe-se em que ambiente de escândalo e negociata, aliás, o Congresso tomou aquela decisão.
Não há evidência, todavia, de que o instituto da reeleição tenha tornado menos democráticas as instituições políticas brasileiras. Ao contrário, oferece-se ao eleitor a oportunidade de reconduzir ao poder, por uma vez, o governante que conta com a sua aprovação. Esse direito, que o cidadão é livre para exercer ou não, ser-lhe-ia cassado pela nova proposta.
De resto, nada garante que, uma vez extinta a reeleição, algum presidente no futuro não queira reinstituí-la, se contar com popularidade para tanto.
Diante do risco de vaivéns sem fim, importa zelar por um mínimo de estabilidade nas regras democráticas. Devem ser apoiadas, naturalmente, as mudanças que fortaleçam a representatividade dos eleitos, a estrutura partidária e o controle da sociedade sobre o Estado.
Mas isso não significa transformar o sistema político brasileiro num laboratório em que destilações de composição suspeita e vagas poções de longa vida sejam feitas e desfeitas, ao sabor de interesses conjunturais.
PT + PSDB = Lula + (Serra ou Aécio) = 2015. A essa equação, de simples leitura mas de validade ainda indefinida, resume-se, na prática, a receita em curso. Extinta a possibilidade de reeleição do próximo presidente, estariam abertas para Lula as condições de voltar ao poder depois de cinco anos. Eliminada a hipótese de um único tucano prolongar por mais de um mandato sua estadia no Planalto, acomodam-se, até segunda ordem, as rivalidades internas do PSDB.
Uma névoa de aspecto pouco respirável escapa das retortas tucano-petistas, a que o ministro da Justiça, Tarso Genro, acrescenta borrifos de entusiasmo democrático, e que o tucano Jutahy Magalhães vem colorir de antídotos quanto a um eventual continuísmo de Lula já em 2010.
Até agora não se produziu fumaça bastante, contudo, para toldar a transparência da operação. É certo que o engenho de tantos alquimistas reunidos não deve ser menosprezado. São sempre capazes de turvar ainda mais, conforme lhes convém, as poucas regras claras em que se baseia a democracia brasileira.


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