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TENDÊNCIAS/DEBATES
"É correto o uso das Forças Armadas para o combate à violência no Rio de Janeiro?"
NÃO
Resolver sem solucionar
JORGE ZAVERUCHA
O USO das Forças Armadas na
manutenção da lei e da ordem
não é uma novidade. Desta
vez, contudo, em vez de uma operação pontual como a realizada durante
a Eco-92, o governador Sérgio Cabral
deseja a presença castrense por longos 365 dias. Sem apresentar sólidos
motivos para essa inovação. Na falta
de um claro plano de ação, o governador arrisca-se a apagar o fogo adicionando gasolina...
O governador do Estado de São
Paulo, em 2006, durante os ataques
do PCC que praticamente paralisaram a capital, recusou-se a aceitar o
envio de tropas do Exército, colocadas à sua disposição pelo presidente
Lula. Optou por reorganizar seu sistema de segurança pública, em especial
o setor de inteligência policial.
Decorridos, praticamente, cem dias
de sua assunção, não se tem notícia de
algum plano inovador para a segurança pública carioca que diferencie a
gestão Cabral das anteriores. Mais fácil do que arregaçar as mangas e enfrentar o grave problema dentro e fora das polícias -só neste ano 40 militares estaduais já tombaram- é jogar
a tarefa sobre os ombros do Exército.
Afinal, essa Força é, juntamente com
suas congêneres, a instituição laica
com maior credibilidade no país, conforme atestam várias pesquisas de
opinião pública. Uma demonstração
da fragilidade das instituições civis.
Curiosamente, no pedido de ajuda
militar do governador do Rio ao governo Federal, diz-se que "o Estado
do Rio de Janeiro, já há algum tempo,
vive uma situação de crise na área de
segurança pública". Contudo, solicita
o emprego das Forças Armadas apenas "na região metropolitana da cidade do Rio". E como ficam os vários
municípios fluminenses onde se
constatam altos índices de homicídios? O governador parece estar mais
interessado em resolver seu problema de governabilidade do que em solucionar a crise na segurança pública,
cujos tentáculos alastram-se para os
poderes Legislativo e Judiciário.
Pressionado, o governador requisita a presença do Exército no afã de resolver os problemas de curto prazo
sem medir as conseqüências de longo
prazo. No caso do Rio, as polícias terão que se reportar por um ano ao comando militar federal, como estipula
a lei complementar nš. 117 art. 15, de
2004. No entanto, o governador, sem
querer perder poder, almeja dois comandos paralelos: o local e o federal.
Cabral quer o bônus, mas não o ônus
da presença militar federal.
Isso, obviamente, tem um custo político. Uma das principais características do Estado Moderno é a clara separação de competências entre a instituição responsável pela guerra (Forças Armadas) e a instituição encarregada pela ordem interna, a polícia.
A polícia procura resolver conflitos
de natureza social. O Exército defende a soberania do país do inimigo que
deve ser aniquilado. Por isso mesmo,
as doutrinas, armamento, instrução e
treinamento da polícia e do Exército
são distintos. No Brasil, essas competências já estão constitucionalmente
embaralhadas. O que é pior: cada vez
mais o Exército se confunde com a
atividade de polícia. O processo de
policialização das Forças Armadas
ocorre simultaneamente ao de militarização da polícia. Um retrocesso.
À medida em que aumenta o descrédito da população em relação ao
desempenho das polícias, mais os governantes se sentem pressionados a
solicitar ajuda aos militares federais
no combate à criminalidade.
Ressaltem-se os perigos que essa
política de militarização da segurança
pública pode acarretar. Aumenta e
fortalece as prerrogativas militares
em um contexto de debilidade do
controle civil; expõe as Forças Armadas a casos de corrupção, comprometendo a hierarquia e a disciplina dentro da instituição e desprofissionaliza
os militares, que passam a fazer papel
de polícia.
Além disso, forma-se um ciclo vicioso: verbas que poderiam ser usadas para reequipar e melhorar o desempenho das polícias são direcionadas para o emprego das Forças Armadas em atividades de policiamento.
JORGE ZAVERUCHA, 51, doutor em ciência política pela
Universidade de Chicago (EUA), é coordenador do Núcleo
de Estudos de Instituições Coercitivas da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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