São Paulo, sábado, 14 de abril de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

"É correto o uso das Forças Armadas para o combate à violência no Rio de Janeiro?"

NÃO

Resolver sem solucionar

JORGE ZAVERUCHA

O USO das Forças Armadas na manutenção da lei e da ordem não é uma novidade. Desta vez, contudo, em vez de uma operação pontual como a realizada durante a Eco-92, o governador Sérgio Cabral deseja a presença castrense por longos 365 dias. Sem apresentar sólidos motivos para essa inovação. Na falta de um claro plano de ação, o governador arrisca-se a apagar o fogo adicionando gasolina...
O governador do Estado de São Paulo, em 2006, durante os ataques do PCC que praticamente paralisaram a capital, recusou-se a aceitar o envio de tropas do Exército, colocadas à sua disposição pelo presidente Lula. Optou por reorganizar seu sistema de segurança pública, em especial o setor de inteligência policial.
Decorridos, praticamente, cem dias de sua assunção, não se tem notícia de algum plano inovador para a segurança pública carioca que diferencie a gestão Cabral das anteriores. Mais fácil do que arregaçar as mangas e enfrentar o grave problema dentro e fora das polícias -só neste ano 40 militares estaduais já tombaram- é jogar a tarefa sobre os ombros do Exército.
Afinal, essa Força é, juntamente com suas congêneres, a instituição laica com maior credibilidade no país, conforme atestam várias pesquisas de opinião pública. Uma demonstração da fragilidade das instituições civis.
Curiosamente, no pedido de ajuda militar do governador do Rio ao governo Federal, diz-se que "o Estado do Rio de Janeiro, já há algum tempo, vive uma situação de crise na área de segurança pública". Contudo, solicita o emprego das Forças Armadas apenas "na região metropolitana da cidade do Rio". E como ficam os vários municípios fluminenses onde se constatam altos índices de homicídios? O governador parece estar mais interessado em resolver seu problema de governabilidade do que em solucionar a crise na segurança pública, cujos tentáculos alastram-se para os poderes Legislativo e Judiciário.
Pressionado, o governador requisita a presença do Exército no afã de resolver os problemas de curto prazo sem medir as conseqüências de longo prazo. No caso do Rio, as polícias terão que se reportar por um ano ao comando militar federal, como estipula a lei complementar nš. 117 art. 15, de 2004. No entanto, o governador, sem querer perder poder, almeja dois comandos paralelos: o local e o federal. Cabral quer o bônus, mas não o ônus da presença militar federal.
Isso, obviamente, tem um custo político. Uma das principais características do Estado Moderno é a clara separação de competências entre a instituição responsável pela guerra (Forças Armadas) e a instituição encarregada pela ordem interna, a polícia.
A polícia procura resolver conflitos de natureza social. O Exército defende a soberania do país do inimigo que deve ser aniquilado. Por isso mesmo, as doutrinas, armamento, instrução e treinamento da polícia e do Exército são distintos. No Brasil, essas competências já estão constitucionalmente embaralhadas. O que é pior: cada vez mais o Exército se confunde com a atividade de polícia. O processo de policialização das Forças Armadas ocorre simultaneamente ao de militarização da polícia. Um retrocesso.
À medida em que aumenta o descrédito da população em relação ao desempenho das polícias, mais os governantes se sentem pressionados a solicitar ajuda aos militares federais no combate à criminalidade.
Ressaltem-se os perigos que essa política de militarização da segurança pública pode acarretar. Aumenta e fortalece as prerrogativas militares em um contexto de debilidade do controle civil; expõe as Forças Armadas a casos de corrupção, comprometendo a hierarquia e a disciplina dentro da instituição e desprofissionaliza os militares, que passam a fazer papel de polícia.
Além disso, forma-se um ciclo vicioso: verbas que poderiam ser usadas para reequipar e melhorar o desempenho das polícias são direcionadas para o emprego das Forças Armadas em atividades de policiamento.


JORGE ZAVERUCHA, 51, doutor em ciência política pela Universidade de Chicago (EUA), é coordenador do Núcleo de Estudos de Instituições Coercitivas da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).

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