São Paulo, segunda-feira, 14 de abril de 2008

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ALBA ZALUAR

Grande Irmão Brasil

AS CENAS foram estarrecedoras desde o início. A tortura da menina Isabella e a sua morte, sem nenhuma chance de defesa para quem tinha apenas cinco anos, ficaram marcadas na memória de todos. O que se seguiu foram imagens dignas de um "Big Brother Brasil".
O julgamento de acusados, segunda a legislação vigente, tem rituais próprios e deve seguir regras de conduta de todos os atores para que haja segurança quanto à decisão final de serem culpados ou inocentes. Ela se dá no tribunal de júri e, se for bem feita, aprimora a cultura jurídica de toda a nação.
O que vimos foi mais que afobação nas cenas gravadas todos os dias, de manhã, de tarde e de noite para o Grande Irmão. Foi o açodamento na condenação dos dois principais acusados pela platéia que agia segundo impulsos emocionais característicos do comportamento de multidão. Mas alimentados por declarações de promotores, testemunhas e alguns policiais sobre o andamento do processo.
A mídia virou o tribunal. A imprensa cobra o que resta a esclarecer como se fosse ela o veículo para elucidar o crime bárbaro cometido. Estamos diante do espetáculo-drama midiático que se apropriou da proclamação de justiça e que vende. Não se surpreendam se houver uma pesquisa on-line ou telefônica para saber quantos condenam os acusados. Com percentual e tudo.
Pior, muito pior, é o que acontece nos becos e antros das favelas e periferias das cidades ou nos ermos do território brasileiro, sem imprensa, sem polícia, sem Justiça. Crimes assim, ou até muito menos graves, podem ser seguidos por julgamentos ainda mais apressados, que resultam na morte dos acusados. Os dados de pesquisas feitas no Núcleo de Estudos da Violência da USP por Nanci Cárdia e Sergio Adorno mostram como tais execuções assassinaram pessoas inocentes na maior parte das vezes.
E isso não se dá apenas no tribunal do tráfico, que existe e já foi registrado há pelo menos três décadas neste país, embora mais freqüentemente depois que os comandos conseguiram dominá-lo.
Existe principalmente nas várias formas de grupo de extermínio, uma das quais é a milícia, nome genérico de diferentes arranjos vicinais de segurança privada. Muitas vezes não é nem via um grupo organizado. É a simples fúria popular que pega pedras e paus para linchar os suspeitos, fazendo justiça pelas próprias mãos.
Era por essa justiça que o populacho clamava na porta da delegacia? Se for, este é o nosso maior problema, ainda por solucionar. Já vimos esse filme várias vezes.
E ainda não conseguimos nos livrar do seu horror.


ALBA ZALUAR 0 escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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