São Paulo, segunda-feira, 14 de abril de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Lições da carne

DECIO ZYLBERSZTAJN


O fechamento do mercado europeu à carne brasileira traz lições para os sistemas agroexportadores. Como aprender com o episódio?


O FECHAMENTO do mercado europeu à carne brasileira traz lições para os sistemas agroexportadores. Os argumentos apresentados indicam que todos têm alguma razão. Certamente se trata de protecionismo do mercado europeu. Certamente o sistema da carne bovina falhou na coordenação. Certamente a pecuária brasileira á apta a exportar para a Europa. Certamente os pecuaristas do Reino Unido fazem campanha contra a carne brasileira. Como derivar lições úteis do episódio?
Os sistemas produtivos criam mecanismos para gerar valor e para dividir o valor gerado entre os agentes que cooperaram para produzir. Tal princípio deveria ser mais bem discutido entre as lideranças setoriais dos agronegócios. O posicionamento estratégico brasileiro nos mercados internacionais deve virar a página do imobilismo estratégico, que foi típico da fase exportadora de commodities, na direção da proatividade, que é a tônica dos mercados atuais. Alguns pontos merecem reflexão.
Primeiro: parte dos nossos sistemas agroindustriais atua na informalidade. Da distribuição à produção, as transações informais estão presentes. O caso da carne é indicativo do problema. Estudo de Ferenc Istvan realizado na Universidade Federal de São Carlos indica que o abate clandestino situa-se ao redor de 40%.
Segundo: o tratamento legal dado à firma agrícola é diferenciado e facilita a informalidade. O padeiro da esquina precisa estabelecer-se formalmente como uma firma, diferentemente do produtor agrícola. As lideranças agrícolas que sempre olharam para as vantagens deveriam verificar as desvantagens da informalidade.
Terceiro: muitos sistemas agroindustriais criaram verdadeiro "apartheid" mercadológico, segregando o sistema produtivo para o mercado interno do exportador. Estudo realizado por mim e Pinheiro Machado Filho mostra a existência de vários subsistemas dentro da cadeia da carne bovina, caracterizados por diferentes tecnologias, medidas sanitárias, atributos de qualidade e mecanismos de coordenação. Tal diversidade tecnológico-organizacional fragiliza nosso produto nos mercados internacionais, gerando um dos argumentos utilizados pelos concorrentes europeus. Boas práticas devem servir também ao mercado interno.
Quarto: a governança das entidades de representação setorial se mostra despreparada. De declarações desastrosas do ministro da Agricultura às lideranças que esbravejaram sem resolver o problema. Não adianta esbravejar contra o pecuarista europeu. Eles ganharam a parada, fizeram o seu papel e nós estamos a dar-lhes os argumentos de que precisam. Um pouco de preparo em relações internacionais é uma necessidade para as lideranças setoriais que se expõem ao jogo de poder do acesso aos mercados.
O quinto aspecto ressuscita o tema dos observadores internacionais preparados postados nas nossas embaixadas. É o conhecido problema da falta de adidos agrícolas que realizem o monitoramento dos mercados internacionais. Se tivéssemos lido as publicações da imprensa irlandesa sobre a pecuária brasileira ao longo dos últimos anos, talvez tivéssemos nos preparado melhor para o embate.
Manter adidos no exterior custa para o Itamaraty e para os sistemas produtivos, mas são necessários profissionais competentes para compreender as instituições dos países com os quais transacionamos.
Sexto: avanços institucionais no Brasil serão fundamentais para lidar com os problemas que a agropecuária enfrenta. O produtor é pressionado pela fragilidade dos direitos de propriedade motivada pela indústria de invasões de terra. As empresas de sementes são pressionadas pela pirataria, que coloca em risco a sanidade da agricultura. A produção é pressionada pela frágil fiscalização de defesa agropecuária.
Acredito que a nova geração de gestores dos sistemas agroindustriais saberá criar uma agricultura rentável, em bases empresariais e com adequação socioambiental. Uma agricultura que recupere a imagem na sociedade e que mostre ser fonte de soluções, e não de problemas. Uma agricultura cabocla, que saiba criar um espaço intermediário entre o industrialismo e o socioambientalismo.
Aprender na própria carne costuma ser muito eficaz. Temos a oportunidade ao nosso alcance.


DECIO ZYLBERSZTAJN , doutor em economia pela Universidade da Carolina do Norte (EUA), é professor titular da FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade) e presidente do Conselho de Orientação do Pensa (Centro de Conhecimento em Agronegócios).
dezylber@usp.br

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br



Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: André Luís Woloszyn: A eficiência do sistema penal

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.