SÃO PAULO - A mídia, quase toda, inventou o que pôde para fazer de Bento 16 um sucessor à altura de João Paulo 2º, uma liderança carismática, uma figura desfrutável para as câmeras, uma doce criatura que se escondia sob a frieza germânica do cardeal Joseph Ratzinger.
A despeito dos esforços do próprio Bento 16 para vencer a falta de jeito e interagir com a multidão, as tentativas de abrasileirar o papa acabaram frustradas. Desta vez, ele não era pop. Seu foco era outro.
Bento 16 não veio ao Brasil a passeio. Falou mais para dentro do que para a platéia. Levou a ferro e fogo a missão de fortalecer a unidade e a identidade da igreja, mesmo que ao preço da perda provável de fiéis.
João Paulo 2º era um conservador intuitivo, uma figura amena, com enorme capacidade agregadora. Bento 16 é muito preparado intelectualmente, mas sua mensagem quase sempre é de confronto, recusa, repreensão. Ameaçada pela permissividade do mundo moderno, a igreja se fecha sobre si mesma e dobra a aposta no desacordo que se escancarou entre ela (ou sua doutrina) e a vida prática de seus fiéis.
Organizado como uma empresa, o "proselitismo" neopentecostal que tanto atazana o papa encontra nessa rejeição católica do mundo uma avenida livre para prosperar.
Depois de ajudar a devastar, nos anos 80 e 90, a Teologia da Libertação e o compromisso da igreja contra a iniqüidade social, o ultraconservadorismo de Ratzinger volta-se agora, com igual energia, para as questões morais, ligadas ao comportamento sexual e ao casamento.
A pregação da igreja é anacrônica, já sabemos; é hipócrita, quase todo mundo sabe. Mas não se trata apenas disso: a posição do Vaticano é criminosa no que concerne ao uso da camisinha. Pouca gente, felizmente, acata hoje tais recomendações, mas elas ainda exercem inegável efeito inibidor sobre a atuação de políticos ou na definição de campanhas públicas mais diretas e esclarecedoras. O sofisticado Ratzinger empurra a igreja para as trevas.

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