São Paulo, terça-feira, 14 de junho de 2011

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VLADIMIR SAFATLE

O caminho

Um dos esportes preferidos de certo setor da vida nacional é criticar a Universidade de São Paulo (USP).
Alguns já chegaram a elevá-la a uma espécie de responsável pelos equívocos na reflexão sobre o Brasil e seus problemas. Contudo, quando generalizada, a reflexão crítica necessária a respeito da nossa universidade mais importante acaba por impedir a identificação do que ela produz de melhor e de mais inovador.
Por exemplo, todos gostam de falar em rankings universitários internacionais, mas poucos sabem que no recente ranking ibero-americano de psicologia (SIR 2011), sistema responsável pela avaliação de tal curso na América Latina e na Europa ibérica, a USP aparece em primeiro lugar.
Talvez porque as universidades brasileiras são das poucas no mundo a oferecer, atualmente, formação realmente plural. Nossos estudantes recebem uma visão não estereotipada de psicanálise, psicologia cognitivo-comportamental, etologia, psicologia analítica, discussão crítica sobre práticas asilares, entre outros assuntos. Prova da maturidade de um campo de pesquisas capaz de não ver a multiplicidade de suas vozes como um problema a ser apagado o mais rápido possível.
Outro exemplo que merece nossa reflexão acaba de ser dado pela Faculdade de Letras da USP. Há alguns meses, foi inaugurado um corajoso programa de pós-graduação em estudos judaicos e estudos árabes. Trata-se de uma unificação de duas linhas de estudos em literatura e cultura que, até então, andavam em separado.
Graças à capacidade visionária de Gabriel Cohn, ex-diretor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, a USP pode se orgulhar de fornecer um exemplo da maneira com que a vida acadêmica tem a força de abrir novos caminhos na constituição de modelos de pensamento que nos permitam refletir diferentemente sobre as questões postas pela vida social.
A autonomia universitária nunca significou apenas independência administrativo-financeira. Significa também a capacidade que a vida acadêmica tem de não ser simplesmente pautada por problemas que são colocados para nós como naturalmente evidentes e relevantes.
Na universidade, não se trata apenas de ensinar a resolver problemas, mas, principalmente, de ensinar a desconstruir problemas, procurar desenvolver maneiras novas de pensar recusando, muitas vezes, a fixidez dos problemas que parecem sem solução.
Por isso, uma iniciativa como tal unificação demonstra aquilo que a universidade tem de melhor, a saber, a força de dizer: se nós quisermos aprender a resolver determinados problemas, teremos que começar por aprender a pensá-los de outra forma.

VLADIMIR SAFATLE escreve às terças-feiras nesta coluna.


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