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TENDÊNCIAS/DEBATES
A energia nuclear é uma boa solução para o Brasil?
NÃO
Uma decisão equivocada
JOAQUIM FRANCISCO DE CARVALHO
A
ENERGIA nuclear não resolverá o problema da escassez de
energia elétrica previsível para
os próximos três ou quatro anos, entre outras razões porque a construção
de uma usina como Angra 3 supera
esse prazo. No entanto, diante da intransigência do Ibama e de ONGs ambientalistas em relação às novas hidrelétricas, o CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) decidiu,
há duas semanas, aprovar a retomada
da obra de Angra 3 e a implantação de
um ambicioso programa nuclear.
A propósito dessa decisão, vale
ponderar que todos os países desenvolvidos que dispõem de bons potenciais hidráulicos preferem as usinas
hidrelétricas às termelétricas a gás,
óleo ou nucleares. Temos disso vários
exemplos, em especial o da França,
que construiu todas as hidrelétricas
que podia para só então partir para
um programa nuclear de larga escala.
É assim porque, além de ser ambientalmente mais amigável, a hidreletricidade é muito mais barata.
Ao decidir pela construção das usinas nucleares, deixando de lado as hidrelétricas, o Brasil se torna o primeiro país do mundo que, aquinhoado
pela natureza com um potencial hidráulico que lhe asseguraria energia
elétrica barata e renovável pelas próximas décadas, prefere gerar eletricidade de fonte cara e não-renovável.
Em operação rotineira, as usinas
nucleares pouco agridem o meio ambiente, porém expõem a sociedade ao
risco de acidentes que liberam na
biosfera produtos de fissão de alta atividade, que podem trazer conseqüências catastróficas por centenas de
anos. Embora ínfimo, tal risco existe e
não pode ser negligenciado. Ademais,
essas usinas deixam mal resolvido o
problema dos rejeitos de alta atividade, cuja deposição final demandará
pesados investimentos no futuro.
No caso de Angra 3, um dos argumentos usados a seu favor foi o de que
já se gastou R$ 1,7 bilhão na obra,
quantia que será desperdiçada caso
não se conclua o projeto. O argumento é discutível. Se Angra 3 entrar em
operação, o prejuízo aumentará na
medida da diferença entre seus custos de geração e os das hidrelétricas.
De fato, o custo marginal médio para
a expansão do sistema hidrelétrico é
de cerca de R$ 80/MWh, enquanto
-acreditando na informação oficial
de que o combustível entrará com
apenas R$ 18,4/MWh- o custo (fixo +
variável) de geração de Angra 3 está
em torno de R$ 175/MWh.
Assim, em operação, Angra 3 vai
onerar o sistema elétrico com um
acréscimo de custos da ordem de R$
570 milhões/ano em relação ao que
seria gasto se o investimento a ser feito para terminar a obra fosse aplicado
na construção de novas hidrelétricas,
somando capacidade equivalente.
Nem falemos que o investimento
na construção de uma obra desse porte sempre excede o valor orçado inicialmente, o qual, para a conclusão de
Angra 3, é de R$ 7,2 bilhões. Por conseguinte, é melhor esquecer o que já
foi gasto do que ver o prejuízo aumentar em bola de neve.
Alimenta-se a ilusão de que o Brasil
é auto-suficiente em combustível nuclear, mas a verdade é que, apesar das
grandes reservas de minério de urânio, o país importa combustíveis nucleares, pois ainda não tem capacidade industrial para operar todas as etapas do ciclo do urânio em escala suficiente para alimentar nem sequer
Angra 1, cujo consumo é a metade do
de Angra 2, que é igual ao de Angra 3.
Argumenta-se, então, que a conclusão de Angra 3 permitirá que se viabilize a fábrica de enriquecimento de
urânio em Rezende. Trata-se de um
fraco argumento, pois nada impede
que a fábrica seja concluída e que o
governo compre parte de sua produção para acumular um estoque estratégico de urânio enriquecido, importante para ser usado em usinas intrinsecamente seguras, quando (e se) isso
for necessário no futuro.
Dias depois que o CNPE decidiu-se
pelo programa nuclear, o Ibama resolveu conceder a licença ambiental
para as hidrelétricas do rio Madeira,
que podem contribuir mais eficazmente do que as usinas nucleares para amenizar a previsível crise do sistema elétrico. O bom senso manda que
a decisão do CNPE seja revista.
JOAQUIM FRANCISCO DE CARVALHO, 71, mestre em
engenharia nuclear, é consultor no campo da energia. Foi
diretor industrial da Nuclen (atual Eletronuclear) e engenheiro da Cesp (Companhia Energética de São Paulo).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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