São Paulo, sábado, 14 de julho de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

A energia nuclear é uma boa solução para o Brasil?

NÃO

Uma decisão equivocada

JOAQUIM FRANCISCO DE CARVALHO

A ENERGIA nuclear não resolverá o problema da escassez de energia elétrica previsível para os próximos três ou quatro anos, entre outras razões porque a construção de uma usina como Angra 3 supera esse prazo. No entanto, diante da intransigência do Ibama e de ONGs ambientalistas em relação às novas hidrelétricas, o CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) decidiu, há duas semanas, aprovar a retomada da obra de Angra 3 e a implantação de um ambicioso programa nuclear.
A propósito dessa decisão, vale ponderar que todos os países desenvolvidos que dispõem de bons potenciais hidráulicos preferem as usinas hidrelétricas às termelétricas a gás, óleo ou nucleares. Temos disso vários exemplos, em especial o da França, que construiu todas as hidrelétricas que podia para só então partir para um programa nuclear de larga escala. É assim porque, além de ser ambientalmente mais amigável, a hidreletricidade é muito mais barata. Ao decidir pela construção das usinas nucleares, deixando de lado as hidrelétricas, o Brasil se torna o primeiro país do mundo que, aquinhoado pela natureza com um potencial hidráulico que lhe asseguraria energia elétrica barata e renovável pelas próximas décadas, prefere gerar eletricidade de fonte cara e não-renovável.
Em operação rotineira, as usinas nucleares pouco agridem o meio ambiente, porém expõem a sociedade ao risco de acidentes que liberam na biosfera produtos de fissão de alta atividade, que podem trazer conseqüências catastróficas por centenas de anos. Embora ínfimo, tal risco existe e não pode ser negligenciado. Ademais, essas usinas deixam mal resolvido o problema dos rejeitos de alta atividade, cuja deposição final demandará pesados investimentos no futuro.
No caso de Angra 3, um dos argumentos usados a seu favor foi o de que já se gastou R$ 1,7 bilhão na obra, quantia que será desperdiçada caso não se conclua o projeto. O argumento é discutível. Se Angra 3 entrar em operação, o prejuízo aumentará na medida da diferença entre seus custos de geração e os das hidrelétricas. De fato, o custo marginal médio para a expansão do sistema hidrelétrico é de cerca de R$ 80/MWh, enquanto -acreditando na informação oficial de que o combustível entrará com apenas R$ 18,4/MWh- o custo (fixo + variável) de geração de Angra 3 está em torno de R$ 175/MWh.
Assim, em operação, Angra 3 vai onerar o sistema elétrico com um acréscimo de custos da ordem de R$ 570 milhões/ano em relação ao que seria gasto se o investimento a ser feito para terminar a obra fosse aplicado na construção de novas hidrelétricas, somando capacidade equivalente.
Nem falemos que o investimento na construção de uma obra desse porte sempre excede o valor orçado inicialmente, o qual, para a conclusão de Angra 3, é de R$ 7,2 bilhões. Por conseguinte, é melhor esquecer o que já foi gasto do que ver o prejuízo aumentar em bola de neve. Alimenta-se a ilusão de que o Brasil é auto-suficiente em combustível nuclear, mas a verdade é que, apesar das grandes reservas de minério de urânio, o país importa combustíveis nucleares, pois ainda não tem capacidade industrial para operar todas as etapas do ciclo do urânio em escala suficiente para alimentar nem sequer Angra 1, cujo consumo é a metade do de Angra 2, que é igual ao de Angra 3.
Argumenta-se, então, que a conclusão de Angra 3 permitirá que se viabilize a fábrica de enriquecimento de urânio em Rezende. Trata-se de um fraco argumento, pois nada impede que a fábrica seja concluída e que o governo compre parte de sua produção para acumular um estoque estratégico de urânio enriquecido, importante para ser usado em usinas intrinsecamente seguras, quando (e se) isso for necessário no futuro.
Dias depois que o CNPE decidiu-se pelo programa nuclear, o Ibama resolveu conceder a licença ambiental para as hidrelétricas do rio Madeira, que podem contribuir mais eficazmente do que as usinas nucleares para amenizar a previsível crise do sistema elétrico. O bom senso manda que a decisão do CNPE seja revista.


JOAQUIM FRANCISCO DE CARVALHO, 71, mestre em engenharia nuclear, é consultor no campo da energia. Foi diretor industrial da Nuclen (atual Eletronuclear) e engenheiro da Cesp (Companhia Energética de São Paulo).

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Odair Dias Gonçalves: Por que não?

Próximo Texto: Painel do Leitor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.