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CARLOS HEITOR CONY
No bonde da história
RIO DE JANEIRO - "Somos um
povo decente governado por ladrões!" Esta manchete foi repetida
algumas vezes por um jornal do Rio,
no tumultuado ano de 1954, que teve seu clímax em 24 de agosto, dia
em que um presidente da República
que não era ladrão se matou.
Alunas de um curso de comunicação me perguntaram por que a
imprensa não impede a onda de
corrupção oficial que as assusta,
uma delas estava tratando os papéis
para ir embora definitivamente,
enojada da vida nacional.
Como sempre, respondi que era a
pessoa menos indicada para responder a qualquer pergunta sobre
política e moral, apenas que, na faixa etária em que elas estavam, eu
também pensara em dar o fora, mas
por outros motivos. Anos mais tarde, peguei meus trapinhos e fui parar em Havana, não aguentando a
citada "vida nacional".
Mesmo assim, lembrei que a corrupção, aqui e em qualquer lugar,
nasceu lá atrás, quando o Criador
mandou que todos, homem e
mulher inclusive, crescessem e se
multiplicassem. Esta multiplicação
deu no que deu. Arrependido, o
Criador não deu uma entrevista
exclusiva para a "Veja". Foi bem
mais radical e eficiente: abriu as cataratas do céu e inundou a Terra, só
salvando um justo e os animais, um
de cada espécie.
Não adiantou. As filhas de Noé
embebedaram o pai e deste incesto
nascemos todos. Em tempos mais
românticos, quando todos andavam em bondinhos puxados por
burros, um cidadão ergueu a voz e
começou a citar as bandalheiras da
vida nacional da época. Suando de
indignação, depois de lembrar casos de nepotismo, fraude eleitoral,
compras superfaturadas do governo e rombos no orçamento federal,
levantou-se do banco e perguntou
a todos: "Afinal, senhores, aonde
estamos?" O poeta e historiador
Luiz Edmundo, lá atrás, respondeu:
"No bonde!"
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