São Paulo, terça-feira, 14 de agosto de 2007

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MARCOS NOBRE

Giannetti na Terra Prometida

MILHÕES DE PESSOAS assistiram no último domingo a uma encenação ideológica como havia muito não se via. O "filósofo e economista" Eduardo Giannetti da Fonseca estreou no "Fantástico" o seu programa "O valor do amanhã". Giannetti da Fonseca montou uma equação em que Deus, o capitalismo e a natureza estão em perfeito acordo e harmonia. Para provar a sua equação, começou o programa com uma representação (pelo ator Matheus Nachtergaele) do "Gênesis" em que o pecado original produziu "a maior conta de juros de que se tem registro na criação".
Desde Adão e Eva, a vida humana não seria mais do que uma relação de custo e benefício. Mesclando depoimentos e comentários, pretendeu mostrar que o tempo é o resultado de uma escolha entre uma "posição credora" e outra "devedora": poupar agora e usufruir depois, ou o contrário.
Mas Giannetti da Fonseca não se contentou em se apoiar na autoridade da Bíblia. Apelou para cenas da vida animal e para depoimentos científicos para dizer que toda a natureza segue a mesma lógica. Todos os seres vivos fazem "trocas no tempo", poupam ou consomem segundo posições "credoras" ou "devedoras".
Tudo muito bem produzido e editado. Com todo tipo de chavão capaz de se encaixar na lição de moral. É com fala mansa e jeito de bom moço que só quer ajudar que disse que tudo não passa de um balanço entre "sonhos e desejos" e "possibilidades e limites". Com direito a Caetano Veloso ao violão repetindo o refrão "tempo, tempo, tempo, tempo".
É como se estivéssemos de volta ao século 18. Os conflitos são apenas resultado das escolhas individuais e da cultura que resulta dessas escolhas. Não há conflitos sociais, exploração, movimento operário, revoluções, guerras. Tudo o que se passou nos últimos dois séculos desaparece para dar lugar ao capitalismo como ordem natural (e divina) das coisas. Só o que resta é uma adaptação "credora" ou "devedora" a essa ordem.
Mas essa impressão também é enganosa. Porque Giannetti toma do século 19 o determinismo biológico e toma do capitalismo atual o vocabulário do mais desenvolvido mercado financeiro. E tudo isso com a técnica mais sofisticada do século 21.
Para quem acha que biologia e economia são apenas dois ramos de uma mesma árvore original, não é difícil concluir que o Brasil ainda esteja mesmo no século 18 e que seja preciso inocular na cultura brasileira o bacilo do capitalismo. A Terra Prometida de Giannetti da Fonseca é a da miséria e da doença da revolução industrial do século 19. Uma terra que o Brasil do século 21 conhece muito bem.


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.


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