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MARCOS NOBRE
Giannetti na Terra Prometida
MILHÕES DE PESSOAS assistiram no último domingo a uma encenação
ideológica como havia muito não
se via. O "filósofo e economista"
Eduardo Giannetti da Fonseca estreou no "Fantástico" o seu programa "O valor do amanhã".
Giannetti da Fonseca montou
uma equação em que Deus, o capitalismo e a natureza estão em perfeito acordo e harmonia. Para provar a sua equação, começou o programa com uma representação
(pelo ator Matheus Nachtergaele)
do "Gênesis" em que o pecado original produziu "a maior conta de
juros de que se tem registro na
criação".
Desde Adão e Eva, a vida humana
não seria mais do que uma relação
de custo e benefício. Mesclando
depoimentos e comentários, pretendeu mostrar que o tempo é o resultado de uma escolha entre uma
"posição credora" e outra "devedora": poupar agora e usufruir depois,
ou o contrário.
Mas Giannetti da Fonseca não se
contentou em se apoiar na autoridade da Bíblia. Apelou para cenas
da vida animal e para depoimentos
científicos para dizer que toda a
natureza segue a mesma lógica. Todos os seres vivos fazem "trocas no
tempo", poupam ou consomem segundo posições "credoras" ou "devedoras".
Tudo muito bem produzido e
editado. Com todo tipo de chavão
capaz de se encaixar na lição de
moral. É com fala mansa e jeito de
bom moço que só quer ajudar que
disse que tudo não passa de um balanço entre "sonhos e desejos" e
"possibilidades e limites". Com direito a Caetano Veloso ao violão repetindo o refrão "tempo, tempo,
tempo, tempo".
É como se estivéssemos de volta
ao século 18. Os conflitos são apenas resultado das escolhas individuais e da cultura que resulta dessas escolhas. Não há conflitos sociais, exploração, movimento operário, revoluções, guerras. Tudo o
que se passou nos últimos dois séculos desaparece para dar lugar ao
capitalismo como ordem natural (e
divina) das coisas. Só o que resta é
uma adaptação "credora" ou "devedora" a essa ordem.
Mas essa impressão também é
enganosa. Porque Giannetti toma
do século 19 o determinismo biológico e toma do capitalismo atual o
vocabulário do mais desenvolvido
mercado financeiro. E tudo isso
com a técnica mais sofisticada do
século 21.
Para quem acha que biologia e
economia são apenas dois ramos
de uma mesma árvore original, não
é difícil concluir que o Brasil ainda
esteja mesmo no século 18 e que seja preciso inocular na cultura brasileira o bacilo do capitalismo. A
Terra Prometida de Giannetti da
Fonseca é a da miséria e da doença
da revolução industrial do século
19. Uma terra que o Brasil do século 21 conhece muito bem.
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta
coluna.
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