São Paulo, quinta-feira, 14 de agosto de 2008

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KENNETH MAXWELL

Guerra e esportes

OS ANTIGOS gregos suspendiam suas guerras durante a Olimpíada. Na Era Moderna, os Jogos Olímpicos não tiveram a mesma sorte. Para agravar ainda mais as coisas, eles acontecem em agosto. No hemisfério norte, o mês coincide com aquilo que costumava ser conhecido de "a estação de marcha", a época do ano em que tropas podem ser movidas sem que o mau tempo imponha um fardo.
A despeito disso, os políticos insistem em tirar férias em agosto. A família Bush, por exemplo, estava no estádio Ninho de Pássaro, em Pequim, para a cerimônia de abertura, enquanto tropas russas invadiam a Ossétia do Sul, uma província autônoma da Geórgia na qual a maioria dos habitantes fala russo.
Os russos decidiram que não mais tolerariam as provocações da Geórgia. E tampouco aceitariam o desejo do governo Bush de ver a Geórgia incorporada à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Vladimir Putin, o primeiro-ministro russo, tinha em posição o poderio militar necessário para mudar os fatos. George W. Bush ficou reduzido a uma retórica vazia.
Nas zonas geográficas de fronteira ocupadas por múltiplas etnias, que o antigo império soviético costumava governar com punho de ferro, ou nos Estados multiétnicos dominados durante a Guerra Fria por sistemas de partido único, como a Iugoslávia, o colapso do domínio comunista centralizado deflagrou confrontos violentos entre minorias étnicas desejosas de afirmar suas identidades.
O conflito com a Geórgia é um deles. E a paranóia russa agora está acompanhada de uma agressividade militar redescoberta. A morte de centenas de pessoas na Geórgia nesta semana faz disso tudo um espetáculo lastimável.
E vale a pena recordar, neste contexto, como o Brasil tem sorte.
O traçado geral das fronteiras brasileiras foi reconhecido por tratados internacionais nos anos 1750, bem mais de meio século antes de que o Brasil se tornasse uma nação independente. Esse foi um legado dos pensadores geoestratégicos portugueses, concretizado pela presença de aventureiros brasileiros, mineradores de ouro e diamantes, pecuaristas, plantadores de cana-de-açúcar e intrépidos missionários. Os séculos 19 e 20 foram testemunha da consolidação dessas fronteiras. A tarefa nunca foi fácil, mas, como resultado, o Brasil não tem um Cáucaso.
No entanto, eram os antigos gregos que tinham a idéia correta: esporte, e não guerra, pelo menos durante a Olimpíada. Infelizmente, nem Putin, nem Bush são grandes apreciadores de história.


KENNETH MAXWELL escreve às quintas-feiras nesta coluna.

Tradução de PAULO MIGLIACCI .


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