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JOSÉ SARNEY
O mundo de ontem
STEFAN ZWEIG , um grande escritor austríaco, que teve muito prestígio na primeira metade do século passado e morreu tragicamente com sua mulher em Petrópolis, onde se refugiara durante
a Segunda Guerra, cunhou a frase-título do seu livro "Brasil, um País
do Futuro", que deu lugar a um ufanismo igual ao verde-amarelismo
de Oswald de Andrade, carro chefe
da Semana de Arte Moderna de 22.
Mas ele também escreveu um livro interessante (e, na minha geração, tínhamos de ler todos os seus
livros) chamado "O Mundo de Ontem", uma autobiografia que não
chegou a terminar. Não é um livro
nostálgico, mas um testemunho da
transformação da vida, da sociedade, da ciência e da política mundial.
Era um mundo sem barreiras, sem
violência urbana, de "promenades
solitaires" e de noites românticas.
Não se sabia o que viria em seguida,
as guerras em 14 e 39.
Viver é ser testemunha dessas
transformações, nessa quase loucura da história da humanidade em
busca do crescimento, do consumo, da sublimação dos prazeres.
Eu, já com algumas décadas dessa
graça da vida, posso também recordar, na área em que sempre vivi, as
transformações, as condutas, os
procedimentos, o comportamento
da política de ontem e de hoje.
Machado de Assis, na crônica célebre sobre o Senado do Império,
vê como em sonho a porta sendo
fechada sobre as sombras, deslizando nos corredores dos personagens que tinham sido construtores
do país, porque o Brasil, suas instituições, foram feitas pelos políticos
e, sobretudo, pelo Parlamento.
Nada para entrar em pânico nem
julgar a instituição maior da democracia, o coração do povo, que é o
Parlamento, em seus momentos de
crise -uma palavra grega, decisão,
que não significava um problema
em estado de ebulição-, quando a
democracia se enfraquece. Não se
pode julgar as instituições pela realização imperfeita dos seus valores,
por aqueles que, imbuídos de individualismo e hipocrisia, vivem de
atacá-la. Felizmente, a história não
guarda o nome desses pessimistas,
cassandras da maledicência e predadores da justiça.
Vivemos um tempo de mudanças, em que a composição do corpo
político democratizou-se, saiu do
círculo de fogo elitista das camadas
mais privilegiadas e desceu às massas, a operários e trabalhadores, a
líderes populares, que às vezes
chocam pela formação de buscar
objetivos mesmo com métodos heterodoxos. Mas é uma transformação que veio para ficar.
Isso faz com que os julgadores
apressados julguem um retrocesso,
mas não é, é um avanço social. Os
avanços do mundo foram os momentos da construção de pontes
para continuar caminhos. É essa
ainda nossa tarefa, e não construir
fossos para separar os homens entre uns condenados à perdição e
outros à salvação.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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