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Deus piora
CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - Entrei numa livraria
em Paris, zona nobre da cidade. Na vitrine principal, sem indicação de autoria, vejo uma lista dos cem maiores
romances do século. Tirante dois europeus (Joyce e Graham Greene, cada
qual com dois títulos), todos os demais
autores são americanos.
De cambulhada com alguns pesos
pesados (Faulkner, Hemingway, Dreiser, Dos Passos, Fitzgerald), há uma
turma fraquíssima em matéria de literatura. Predominam autores que tiveram obras adaptadas para o cinema.
Nenhum francês, nenhum alemão,
nenhum espanhol, muito menos nenhum latino-americano.
Nada de Proust, de Thomas Mann,
de Camus, de Rulfo, de Moravia. A
globalização, que começou econômica
e política, atinge agora as artes -se é
que devemos considerar a literatura
como arte. Pode não ser, mas, como o
cinema, é um instrumento de poder,
uma ferramenta de marketing.
Eu desejava comprar um livro meu
que saiu pela Gallimard, precisava retribuir o romance que um amigo daqui me presenteara. Foi um custo encontrá-lo numa estante dos fundos,
onde estavam repousando na paz
eterna outros autores daqui de baixo,
como Cortázar, Jorge Amado e, por Júpiter, o próprio Garcia Márquez.
Um filme de Jacques Tati foi talvez o
primeiro grito de advertência contra a
invasão do mais forte economicamente no setor cultural. O cachorro-quente
substituindo a baguete, a Coca-Cola
no lugar do tradicional ""coupe de rouge", o rock nos corredores do metrô
substituindo os acordeonistas que tocavam ""Sous le Ciel de Paris".
Melancolia, nostalgia ou simples
reacionarismo, a verdade é que a Europa, com seus valores e suas conquistas, vai pouco a pouco penetrando numa fase de colonização. Um bombeiro
hidráulico do Alabama sente-se dono
de tudo em qualquer ponto do território europeu. A razão está com ele e
Deus também, pois, como se sabe, de
hora em hora Deus piora.
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