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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Como cortar
um nó górdio
Dá-se por favas contadas a reeleição do atual presidente. Engano.
Se o eleitorado encontrar quem encarne com credibilidade a alternativa pela
qual ele votou em vão em 2002, abandonará, sem cerimônia, tanto os governantes de hoje quanto os governantes de ontem. Romper a alternância postiça entre o PT e o PSDB é difícil, mas não é impossível. Exige a convergência de três acontecimentos.
O primeiro acontecimento tem de
ocorrer no plano das idéias. O debate
no Brasil segue trilha convencional.
De um lado, estão os que insistem na
diretriz dominante, de privilegiar a
confiança financeira e de fazer as "reformas". De outro lado, levantam-se
os que propõem dar prioridade ao desenvolvimento e ao aumento das exportações, a serem alcançados graças
a parcerias entre o Estado -seus bancos e agências de fomento- e grandes empresas nacionais ou estrangeiras. Estes querem ver o Brasil transformado na Coréia da década de 1970. É
visão passadista e obtusa. Ignora o que
o mundo e o país são hoje. Após o
pleito de outubro, o governo coroará
essa falsa discussão com a falsa síntese
que ela merece: o desenvolvimentismo da década de 70 será simplesmente agregado, com maior ênfase do que
já recebe, à pseudo-ortodoxia da década de 90.
Tanto o falso debate quanto o seu
falso desfecho devem ir para o lixo.
Importante no Brasil hoje é nova classe média -laboriosa, empreendedora e frustrada, comprometida com
ideal de iniciativa e de auto-ajuda, porém carente de meios para qualificar-se e para avançar. É essa classe, da qual
os prebendeiros do PT representam
vertente pervertida, que dá o tom no
Brasil agora, abrindo caminhos e definindo aspirações para a massa de trabalhadores. A tarefa é dar vez a esses
emergentes e, por meio deles, à maioria. Tarefa que se executa democratizando oportunidades de ensino e de
emprego e liquidando o regime de
troca de favores entre governantes e
endinheirados. Um governo corruptor e chantagista levou esse regime ao
auge.
O segundo acontecimento precisa
dar-se no domínio das alianças partidárias. Esse choque de oportunidade e
de lei só encontrará instrumento político se as correntes esquerdizantes que
já romperam -ou que romperão-
com o governo Lula se aliarem a forças tidas por conservadoras para ganhar o poder central e mudar o rumo
do país. O PDT, o PPS e os inconformados do PMDB, do PSB, do PC do B
e do próprio PT precisam decidir se
querem fazer figura ou fazer diferença. E o PFL precisa decidir se, em vez
de ser confederação de chefias regionais, sem outra proposta que não seja
encolher e baratear o Estado, representará idéia nacional de efetivação e
de popularização das liberdades políticas e econômicas. Idéia que só se viabilizará por meio de inovações institucionais e de alianças arrojadas. São requisitos para poder arrancar a política
brasileira da alternância entre o PT e o
PSDB. E para libertar a sociedade brasileira do controle dos grandes interesses organizados que a sufocam.
O terceiro acontecimento há de
transcorrer no campo dos indivíduos
e das emoções. Nada disso se tornará
realidade se não surgirem homens e
mulheres que se façam conhecer como agentes da alternativa negada ao
país. Penoso furar o bloqueio do desconhecimento. Sensacional o resultado possível se ele começar a ser furado. É um problema de imaginação
-e de grandeza.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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