São Paulo, quinta-feira, 14 de setembro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DEMÉTRIO MAGNOLI

Cavando uma trincheira

"AINDA QUE o eleitorado não nos acompanhe neste momento, deixaremos as marcas de nosso estilo, de nossas atitudes, para calçar um futuro melhor para o país". Essa é a passagem crucial da carta de 7 de setembro de FHC. Analistas vulgares a interpretaram como tentativa de interferir na eleição, mas Lula e a direção do PT, que podem ser tudo menos néscios, entenderam que um novo jogo começou. O horizonte de FHC não é outubro. São os próximos quatro anos.
Na hora da verdade, a oposição fracassou ao não dar nome às coisas. Sublimando o "crime de responsabilidade" de Lula, em parte para salvar Eduardo Azeredo, concedeu ao Planalto o passaporte para a difusão do discurso de que "todos os políticos são iguais". Essa flecha envenenada atravessou as instituições da República, que fenecem enquanto se agiganta o vulto do salvador da pátria.
O ácido do salvacionismo corrói as estruturas partidárias. A operação de sabotagem da candidatura de José Serra, conduzida por Aécio Neves e Tasso Jereissati, prossegue na previsível cristianização de Alckmin e se completará com a rendição do governador de Minas Gerais a um Lula reeleito. No segundo mandato, Lula se apoiará numa coleção de ruínas políticas: um PT convertido ao gangsterismo, a banda podre do PMDB e a facção do tucanato embalada pela melodia oportunista da ruptura com a "hegemonia paulista".
Esse novo "partido de Lula", reverente aos interesses da alta finança, sustentado por políticas de clientela, composto por chefetes regionais e arrivistas, está sendo criado agora e só poderia nascer depois da morte do PT. No cenário dos sonhos do presidente-pai, que se vê ao espelho como a imagem da própria nação, o segundo mandato não será toldado por essa inconveniência da democracia que é a existência de oposição.
A carta de 7 de setembro é um borrão no azul da paisagem e, por isso, foi recebida com fúria incontida no Planalto e nas hostes de Aécio Neves. FHC está cavando uma trincheira na qual espera reunir o que resta do seu partido. Organizada em torno dos projetos de um "choque de capitalismo", de expansão das políticas sociais universalistas e de separação entre as esferas pública e privada, a carta é uma plataforma de refundação do PSDB.
A marca que distingue o estadista do líder político comum não é uma propensão menor ao erro, mas a capacidade de elevar-se acima da conjuntura e expressar o interesse público de longo prazo. Os estadistas revelam-se quando se encontram fora do poder e, para mudar o rumo das coisas, aceitam a solidão política momentânea. A carta de 7 de setembro é um gesto de estadista.


magnoli@ajato.com.br

DEMÉTRIO MAGNOLI
escreve às quintas-feiras nesta coluna.


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Plínio Fraga: Pedra n'água
Próximo Texto: Frases

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.