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DEMÉTRIO MAGNOLI
Cavando uma trincheira
"AINDA QUE o eleitorado
não nos acompanhe
neste momento, deixaremos as marcas de nosso estilo, de
nossas atitudes, para calçar um futuro melhor para o país". Essa é a
passagem crucial da carta de 7 de
setembro de FHC. Analistas vulgares a interpretaram como tentativa
de interferir na eleição, mas Lula e
a direção do PT, que podem ser tudo menos néscios, entenderam que
um novo jogo começou. O horizonte de FHC não é outubro. São os
próximos quatro anos.
Na hora da verdade, a oposição
fracassou ao não dar nome às coisas. Sublimando o "crime de responsabilidade" de Lula, em parte
para salvar Eduardo Azeredo, concedeu ao Planalto o passaporte para a difusão do discurso de que "todos os políticos são iguais". Essa
flecha envenenada atravessou as
instituições da República, que fenecem enquanto se agiganta o vulto do salvador da pátria.
O ácido do salvacionismo corrói
as estruturas partidárias. A operação de sabotagem da candidatura
de José Serra, conduzida por Aécio
Neves e Tasso Jereissati, prossegue na previsível cristianização de
Alckmin e se completará com a
rendição do governador de Minas
Gerais a um Lula reeleito. No segundo mandato, Lula se apoiará
numa coleção de ruínas políticas:
um PT convertido ao gangsterismo, a banda podre do PMDB e a
facção do tucanato embalada pela
melodia oportunista da ruptura
com a "hegemonia paulista".
Esse novo "partido de Lula", reverente aos interesses da alta finança, sustentado por políticas de
clientela, composto por chefetes
regionais e arrivistas, está sendo
criado agora e só poderia nascer
depois da morte do PT. No cenário
dos sonhos do presidente-pai, que
se vê ao espelho como a imagem da
própria nação, o segundo mandato
não será toldado por essa inconveniência da democracia que é a existência de oposição.
A carta de 7 de setembro é um
borrão no azul da paisagem e, por
isso, foi recebida com fúria incontida no Planalto e nas hostes de Aécio Neves. FHC está cavando uma
trincheira na qual espera reunir o
que resta do seu partido. Organizada em torno dos projetos de um
"choque de capitalismo", de expansão das políticas sociais universalistas e de separação entre as esferas pública e privada, a carta é uma
plataforma de refundação do
PSDB.
A marca que distingue o estadista do líder político comum não é
uma propensão menor ao erro,
mas a capacidade de elevar-se acima da conjuntura e expressar o interesse público de longo prazo. Os
estadistas revelam-se quando se
encontram fora do poder e, para
mudar o rumo das coisas, aceitam a
solidão política momentânea. A
carta de 7 de setembro é um gesto
de estadista.
magnoli@ajato.com.br
DEMÉTRIO MAGNOLI escreve às quintas-feiras
nesta coluna.
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