São Paulo, sexta-feira, 14 de setembro de 2007

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NELSON MOTTA

Cordiais saudações

RIO DE JANEIRO - A famosa "cordialidade brasileira", supostamente uma qualidade nacional, é uma das principais armas da quadrilhagem parlamentar, presente em todos os partidos, para dominar o Congresso.
A idéia do brasileiro como "homem cordial", do sociólogo Sérgio Buarque de Hollanda, é freqüentemente distorcida e associada ao jeitinho, ao jogo de cintura e ao sentimentalismo barato: o brasileiro visto como um ser humano simpático, afetuoso, solidário, sempre disposto a buscar o entendimento, e não o conflito.
É apenas empulhação, um álibi para toda sorte de banditismo, compadrio e corporativismo, porque a característica do "brasileiro cordial" de Sérgio Buarque é ser levado mais pelo coração (cor, cordis, em latim) do que pela razão. Para o bem e para o mal. Muito mais para o mal do que para o bem, como se vê.
No caso, é a arma mais eficiente desses malditos políticos que infelicitam o Brasil e se perpetuam no poder: a simpatia, a cordialidade, a lisonja, o puxa-saquismo, o bom-mocismo, a disposição de ajudar os amigos contra a lei, a dividir segredos e trapaças, a tolerar transgressões em nome da amizade ou da "causa", a infinita capacidade de fingir esquecer ofensas, traições e humilhações em nome dos altos interesses nacionais... É dura a vida desses cordiais.
Renan Calheiros é um arquétipo cordial. Educado, respeitoso e tolerante com seus pares, sempre pronto a um favor, a uma cortesia, desinteressadamente, é claro, um homem que não guarda mágoas de adversários, que sabe esquecer e perdoar... Em suma, um fofo, um queridão, um boa-praça -condição indispensável aos piores trapaceiros para melhor dar seus golpes.
É essa cordialidade que absolve Renan e condena o Senado à vergonha e ao desprezo.


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