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O Supremo sai do berço esplêndido
CANDIDO MENDES
A nova aura cívica do STF morreu às portas do Senado, trancado após impropérios e socos para o julgamento do seu presidente
O MAIS importante julgamento
do Supremo Tribunal Federal
em nossa história abriu de par
em par, graças à imprensa, a intimidade da nossa mais alta corte.
Os furos de "O Globo" e desta Folha, ao começo e ao cabo dos debates,
permitiram também novos olhos
quanto à privacidade de seus membros, à crença nas 11 "ilhas solitárias"
na aposição do voto ou, sobretudo, à
influência da opinião pública no veredicto final do nosso pretório excelso.
Num espaço essencialmente público, exposto à absoluta cobertura da
mídia, a privacidade sobrevive por
fortuna ao portento tecnológico dos
meios de informação. Tudo o que
concerne ao pleito interessa à cidade,
e a motivação ou a dúvida do decidir
não são matéria de confessionário,
mas de um processo de esclarecimento inseparável do voto final.
Joaquim Falcão, aliás, nestas páginas ("Tendências/Debates", 28/8),
mostrou como, na Suprema Corte
americana, o prévio debate dessas razões faz mesmo parte das rotinas, nos
cuidados de se esclarecerem os pólos
do confronto ou a sua marcha para
um consenso.
Estes dias, em Brasília, certamente
forçam a um definitivo cuidado eletrônico dos magistrados, digitando as
telinhas ou os celulares, ainda distraídos no mundo pré-digital.
As redes confiscaram a subjetividade, a pedir ao próprio Supremo, como
nova exigência do Estado de Direito,
que proteja a invasão do espaço da
pessoa, o que lhe resta de intimidade,
ou logre garantir o direito à imagem
diante da multiexpropriação virtual
que mal começa.
O país pode ver a ação toda da máquina do Judiciário, na criatividade e
na articulação do esperado de cada
função na corte.
Quando o relator Joaquim Barbosa
declara que, no seu voto, vê a nação,
assume o dado da expectativa social
do julgamento e, nela, o que a mídia
processaria como opinião pública, o
quarto poder da democracia, mas à
margem, ainda, dos seus controles.
A maturidade da nossa consciência
da ordem pública não convive com o
discurso ingênuo de tecnicalidade
formal acautelada desde o direito romano pelo alerta: o máximo de direito
pode ser o máximo de injustiça.
A virada de página desse julgamento veio, de vez, da maratona, diante do
país, da minudência do debate, dos
144 pronunciamentos do relator, vencendo todo o preconceito de um Supremo a ratificar fatos consumados
na onda da opinião pública.
A nova intimidade com a cabeça
dos julgadores ao mesmo tempo nos
leva a perguntar do temor da ministra
Cármen Lúcia de que há maiorias feitas pelo menos na Segunda Turma até
2010. A flexibilidade das opiniões, expressa pela amplitude dos debates
dos últimos dias, só pode apontar ao
outro pólo, quando, nestes anos, o Supremo enfrentará o teor da pressão
midiática, a efetiva garantia do direito
de resposta ou de outros institutos do
art. 5º da Constituição, que credenciaram o avanço da nossa democracia
profunda demonstrada nestes dias,
em brado retumbante.
Entre esses reptos está, exatamente, a conservação ou não dos privilégios de foro, em que continuamos, no
país das clientelas, o regime dos "mais
iguais", responsável pelo mal-estar da
consciência cívica diante da máquina
jurídica nacional.
Os 40 denunciados entram numa
fila de 49 julgamentos a sua frente,
beneficiados pela mesma prerrogativa obsoleta, pelo mesmo tribunal.
Culpabilidades ou inocências se tragam no corredor da desmemória. Nele não pode esvair-se o anseio de justiça, sobre a qual se debruçam, para
além de celulares e laptops, Joaquim
Barbosa e seus colegas de toga e postura do Supremo no país que emerge.
A nova aura cívica da corte morreu,
entretanto, às portas do Senado, trancado após impropérios e socos para o
julgamento do seu presidente.
Não vimos ainda a virada de página
da nossa corrupção, tal como tolerada
aos trancos e barrancos pela pertinaz
cultura política do país da "cosa nostra". Os 40 a 35 votos pró e contra a
absolvição dizem do peso da "realpolitik", do polegar ou do abraço do amigão ou dos dossiês de represália.
O crivo histórico foi o dos melancólicos senadores perplexos. A Casa não
aprovou a proposta de Cristovam
Buarque de guardarmos para revelação, no futuro, da meia dúzia responsável pelo salva-vidas da ambigüidade, para afinal continuarmos, mornamente, com os dois Brasis.
CANDIDO MENDES, 79, membro da Academia Brasileira
de Letras e da Comissão de Justiça e Paz, é presidente do
"senior Board" do Conselho Internacional de Ciências Sociais da Unesco (Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura).
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