São Paulo, segunda-feira, 14 de setembro de 2009 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Ausência notada
ANTONIO HERMAN BENJAMIN
COMO ANDA a Justiça brasileira aos olhos de seus consumidores? Após ouvir 1.636 pessoas nas principais capitais, o Índice de Confiança na Justiça, recentemente divulgado de forma pioneira pela Escola de Direito e Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, numa escala de 0 a 10, deu nota 6,5 ao Judiciário. Não é o ideal nem dá para festejar, mas tampouco é desesperador ou desmoralizante, sobretudo no contexto de avaliações parecidas em outros países latino-americanos. Aspecto relevante da pesquisa, a meu ver, não é tanto a nota geral, que daria para passar de ano. Chama mais a atenção o fato de que a morosidade e o custo dos serviços judiciais ocupam a fila da frente (respectivamente, mais de 60% e 70% dos ouvidos). Temia-se que desvios éticos isolados contaminassem a percepção dos entrevistados. A patologia mais grave enxergada pela população não é, pois, congênita, de degradação absoluta ou genética do sistema. É de ordem gerencial, que admite enfrentamento imediato. Morosidade e custo alto são irmãos gêmeos. A lentidão do Judiciário brasileiro tem várias causas, mas quatro vêm logo à mente. Primeiro, um sistema processual de recursos infindáveis, habilmente manipulados pelas partes mais poderosas, a quem interessa vencer, não pela força dos argumentos de direito, mas pelo cansaço do adversário. Segundo, o escasso contingente de juízes para o tamanho e a população do Brasil. Terceiro, a resistência às ações coletivas, que resolvem, com uma única decisão, centenas, quando não milhares de demandas individuais. Finalmente, as travas na tramitação dos processos. Perde-se tempo precioso com a remessa dos autos de uma instância para outra no mesmo Estado e, depois, para Brasília. De todos os males que afetam o Judiciário, resolver ou mitigar a lentidão da tramitação, entre as várias instâncias, dos autos, amiúde de muitos volumes, é o problema mais urgente e de solução menos complexa. Bastam vontade política e investimento em novas tecnologias. Pois bem, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) acaba de dar um exemplo que, em breve, o transformará na única corte nacional do mundo a abolir inteiramente a distribuição de processos em papel aos seus membros. Segundo o presidente do STJ, ministro Cesar Asfor Rocha, idealizador da iniciativa, já foram digitalizados, de capa a capa, mais de cem mil processos. Uma montanha de papel que custa, apenas de correio, cerca de R$ 20 milhões anualmente para a viagem de ida e volta a Brasília. Esses objetivos ambiciosos, contudo, dependem de sua universalidade, isto é, da adesão de todos os tribunais brasileiros, estaduais e federais. Não basta, por meio de scanners, transformar papel em informação digital só no ponto de chegada. A digitalização precisa começar na origem, ou, numa primeira fase, ao menos os autos devem chegar assim a Brasília. Um simples clique de computador separará o Supremo Tribunal Federal e o STJ dos outros tribunais. O recurso e todo o processo farão em segundos um percurso que hoje demora muitos meses. Visando a universalizar a digitalização, os ministros do STJ, há poucos dias, foram anfitriões, em concorrida solenidade, da assinatura de convênios entre essa corte e representantes de 27 dos 32 tribunais do país. O encontro impressionou tanto pela adesão maciça (inclusive do Tribunal Regional Federal da 3ª Região) quanto pelos poucos ausentes, entre os quais o Tribunal de Justiça de São Paulo. Nenhum Judiciário brasileiro tem mais a ganhar do que o paulista com a digitalização total dos processos. É líder absoluto em número de feitos analisados pelo STF e STJ. Seu corpo de juízes e desembargadores, altamente preparados, dedicados e respeitados, frequentemente perde o bonde da história da jurisprudência. A morosidade dos recursos, na tramitação interna e depois até Brasília, vem impedindo que decisões pioneiras e progressistas, como antes tradicionalmente ocorria, fixem precedentes nacionais, atropeladas pela rapidez de outros Estados. Por tudo isso, em Brasília, durante a celebração coletiva da modernização tecnológica do Judiciário brasileiro, a ausência do TJ de São Paulo foi notada. E lamentada. ANTONIO HERMAN BENJAMIN é ministro do Superior Tribunal de Justiça. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Butantan garante autossuficiência e inovação Índice |
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