São Paulo, segunda-feira, 14 de outubro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

BORIS FAUSTO

Temas da eleição

Ao longo da campanha eleitoral do primeiro turno, um tema foi suscitado, aberta ou sub-repticiamente: o da falta de preparo do candidato do PT, por ter uma educação formal limitada. Foi um dos pontos baixos de uma campanha com tantos aspectos positivos. Nos termos em que foi colocada, a discussão resultou em um grande equívoco, dando origem a críticas preconceituosas de um lado e a alegações mal colocadas de outro.
De fato, não faz sentido afirmar que a posse de um diploma ou título universitário seja um requisito mínimo para que qualquer pessoa exerça funções públicas, mesmo as mais elevadas. Mas isso não significa jogar pela janela as virtudes da educação formal, como paradoxalmente se tornou comum em alguns meios universitários partidarizados. Se fosse assim, não teríamos de nos preocupar com os baixos níveis de escolaridade da população brasileira, apesar dos progressos quantitativos e qualitativos realizados em anos recentes, nem teríamos por que insistir na tecla de que escolhas eleitorais dotadas de maior racionalidade dependem de melhores padrões educativos.
A educação formal em níveis elevados não é um requisito incontornável para o exercício de uma função pública eletiva. Mas ela não só proporciona conhecimentos científicos especializados, indispensáveis ao exercício de determinadas profissões, como pode proporcionar algo talvez mais importante: uma capacidade cognitiva que constitui condição básica para apreender conceitos e para estabelecer relações de conteúdo acerca das atividades humanas e do mundo que nos cerca.
Dentre os vários instrumentos postos à disposição de quem frequentou o ensino superior ou obteve títulos -estou falando obviamente das boas faculdades-, encontra-se a leitura sistemática que, se bem encaminhada, conduz a um hábito extremamente importante para um comportamento reflexivo. Que o digam os autodidatas, leitores fervorosos, que tiveram de percorrer um árduo e às vezes truncado caminho para avançar culturalmente.
Mas a questão das virtudes e deficiências de candidatos a cargos públicos eletivos, não se esgota aí. Além do conhecimento, o exercício de tais cargos exige outras virtudes, entre elas, as que dizem respeito à sensibilidade social e à capacidade de gestão.
No que diz respeito à sensibilidade social, convém lembrar que ela se forma no curso de uma vida, na biografia de cada um de nós, pela via dos circuitos de socialização, sejam eles os bancos escolares, os sindicatos, as igrejas, a mídia etc. Mas, para que essa virtude não resvale na demagogia, é preciso que ela se traduza em políticas públicas adequadas cuja complexidade é conhecida.
Quanto à capacidade de gestão, não há como fugir ao truísmo de que ela só pode ser aferida pela avaliação positiva ou negativa de um desempenho prévio. Quando não há essa possibilidade, embarcamos no terreno da intuição, da aposta emotiva, que pode ser compreensível, mas não é um critério razoavelmente seguro.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Nós, os peles-vermelhas
Próximo Texto: Frases


Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.