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TENDÊNCIAS/DEBATES
Os países que possuem armas nucleares são
necessariamente uma ameaça à paz mundial?
NÃO
A própria proliferação é a ameaça
PETER DEMANT
ARMAS NUCLEARES são uma
praga para a humanidade, mas
dizer que o mero fato de possuí-las torna um Estado uma ameaça
mundial é uma simplificação irresponsável. Armas não têm vontade independente. O assassino não é a bomba em si, mas quem aperta o botão.
Há uma grande diferença entre um
arsenal nuclear sob controle democrático e racional (como os casos de
EUA, Inglaterra e França) e um arsenal nas mãos de um ditador agressivo
e irresponsável. O problema não está
com as armas, mas com seus usuários.
Um canivete na mão de um assassino
é mais perigoso que um fuzil na mão
de um delegado treinado para manter
a paz na sociedade. Como mostrou o
episódio do 11/9, mesmo uma faquinha de bordo pode ser usada como
meio de assassinato em massa.
O Tratado de Não-Proliferação Nuclear foi criado com o objetivo de
afastar armas nucleares das mãos de
iniciantes. A porta desse clube de elite
vem sendo repetidamente forçada
desde 1968 por emergentes ambiciosos. Agora, com a entrada da Coréia
do Norte, perdeu seu último vestígio
de exclusividade.
É possível que o fato de os EUA terem classificado Pyongyang como
pertencente ao eixo do mal, marcada
para uma mudança de regime, a tenha
incentivado a transpor o limiar nuclear: uma proliferação preventiva
para prevenir uma guerra preventiva,
pois, uma vez na posse de armas de
destruição em massa, um regime se
torna virtualmente inatacável. Mas a
Coréia já estava a caminho de adquirir tais armas, de todo modo.
Manter esse monopólio da "elite"
não é democrático, mas democratizar
o acesso é pior. Os Estados nucleares
originais não ameaçam a paz mundial
pois nunca tiraram suas armas do porão: sabem que uma terceira guerra
mundial significaria também seu próprio fim. O verdadeiro perigo é a proliferação em si, com atores que poderão ter menos autocontrole.
"Quanto mais Estados tiverem um
dedo no gatilho, mais seguro o mundo
será, pois todo mundo estará controlando todo mundo": argumento popular, mas falacioso.
Dissuasão funciona apenas entre
atores racionais que valorizam sua
própria sobrevivência. Infelizmente,
não faltam malucos e extremistas que
pensam de outra forma.
Como vamos reagir a terroristas
com armas nucleares? A democratização promete poder ao povo, de modo que, juntos, possamos moldar nosso futuro; a "democratização dos
meios de violência" esvazia essa premissa ao dar poder a minorias extremistas e regimes tirânicos.
Cada novo proliferador incentiva
outros a entrarem na corrida e enfraquece a posição daqueles que não se
"nuclearizam". Egito e Turquia já
anunciaram que, assim como o Irã,
pretendem desenvolver energia nuclear "para fins pacíficos". Arábia
Saudita e Japão podem ser os próximos da fila. Há muitos outros candidatos. O que fazer? Assim como mísseis intercontinentais e cartas com
antraz, armas nucleares são um efeito
colateral do mesmo processo de progresso científico inerentemente neutro que também produz aviões, internet e vacina para a Aids.
Armas de destruição em massa e
terrorismo, capacitados pelo inexorável crescimento e difusão da tecnologia, são desafios gêmeos que estão
tornando obsoleto o sistema internacional atual.
Desarmamento nuclear é mais que
um sonho nobre: a cada ano, torna-se
uma necessidade mais premente para
a sobrevivência coletiva. Todavia, é
também politicamente quase impossível no contexto da nossa "comunidade internacional" de 200 Estados
zelosos da sua soberania e que (às vezes justificadamente) desconfiam das
intenções de seus vizinhos.
E não há uma autoridade global efetivamente abrangente para manter os
agressores na linha. O sistema anárquico de Estados independentes e
egoístas, tão caro à escola "realista"
das relações internacionais, sempre
foi uma afronta ao coração humano.
Com a proliferação fora de controle,
está se tornando agora também uma
ameaça à nossa sobrevivência.
PETER DEMANT, historiador especialista em Oriente
Médio, doutor pela Universidade de Amsterdã (Holanda),
é professor de relações internacionais na USP e autor de,
entre outras obras, "O Mundo Muçulmano".
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