São Paulo, domingo, 14 de outubro de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Valorizar a diversidade estimula a inclusão

MATILDE RIBEIRO


Nunca antes tantas medidas foram tomadas em áreas diversas para a inclusão social dos negros


UMA TRANSFORMAÇÃO importante para a consolidação democrática brasileira vem se operando nos últimos quatro anos, com a incorporação de ações afirmativas por administrações públicas de todo o país. Ao ampliarem o acesso de grupos historicamente discriminados a serviços essenciais, as instituições públicas passaram a encorajar os negros brasileiros a assumir sua própria cor, e não mais precisar ocultar características físicas e culturais com o intuito de evitar a discriminação nos vários espaços da vida política e social.
Esse movimento de valorização da identidade afro-brasileira sem dúvida ajuda a combater o racismo e a resgatar a contribuição dos imigrantes africanos para a riqueza e a diversidade cultural e econômica do país.
Dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) divulgados em meados de setembro mostram que a população negra ganhou visibilidade nas estatísticas oficiais.
O número dos que se declaram de cor preta cresceu de 11,5 milhões para 12,9 milhões, de 2005 para 2006. E a população de pretos e pardos, 49,5% do total, está bem próxima do número de brancos, 49,7%, fato que não ocorria há muitos anos. Já a participação das pessoas de cor parda na população caiu de 43,2% para 42,6%, o que confirma que houve uma migração dos que se declaravam pardos para o grupo dos que se declaram pretos.
Uma análise comparativa dos dados da Pnad com estatísticas anteriores é importante, pois denota a inversão de um processo discriminatório e racista por muito tempo estimulado pelo Estado, que levou a população preta e parda a despencar de 66%, no censo de 1890, para 34%, na década de 1940.
O crescimento dos que se declaram pretos e pardos não por acaso coincide com o período em que as políticas de ações afirmativas foram ampliadas e fortalecidas pelo governo federal, a partir da criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, no início de 2003.
Afinal, se os negros representam de fato quase 50% da população do país, a incorporação de suas demandas específicas às políticas públicas tem estreita relação com a luta histórica que ganhou relevo desde a campanha pela abolição da escravatura.
A partir das ações da Seppir, questões pouco visíveis, como a existência de milhares de comunidades remanescentes de quilombos no Brasil, passaram a receber atenção do poder público. Até 2002, haviam sido identificados 743 quilombos no país.
Atualmente, o número registrado ampliou para 3.224 comunidades, cujas populações são hoje consideradas no que diz respeito à regularização fundiária e ao atendimento de outras demandas.
A valorização cultural dos africanos na formação escolar das crianças, por meio da lei 10.639, que instituiu em 2003 a obrigatoriedade do ensino de história afro-brasileira no currículo oficial do ensino básico, também deu início a um processo que deve resultar em nova concepção, mais correta e menos racista, da história do Brasil.
Outra iniciativa importante do Executivo foi apresentar ao Congresso Nacional o projeto de lei 73/99, que institui reservas de vagas para alunos oriundos de escolas públicas, respeitando a proporcionalidade de negros e indígenas em cada unidade da Federação.
A discussão dessa proposta estimulou instituições de ensino de todo o país a aprovar em seus colegiados a adoção de cotas para negros e indígenas, atualmente praticadas por cerca de 40 universidades públicas.
Além de viabilizar a entrada de aproximadamente 100 mil cotistas nas universidades federais, a partir das ações afirmativas, 200 mil bolsistas que se declararam afrodescendentes ingressaram em instituições particulares por meio do ProUni (Programa Universidade para Todos).
Embora esses sejam resultados ainda tímidos para colocar a população negra em curto prazo em situação de eqüidade, é inegável que, nesses 119 anos após a abolição da escravidão, nunca antes tantas medidas foram tomadas em áreas diversas para a inclusão social dos negros.
Assim, o Brasil vive hoje uma oportunidade única de efetivar uma verdadeira democracia racial. Isto é, podemos e devemos aproveitar a importância e a efervescência adquiridas pelo tema para transformar as ações voltadas à promoção da igualdade racial em políticas de Estado, dando um passo decisivo para instituir na prática o princípio constitucional de igualdade entre todos os cidadãos.

MATILDE RIBEIRO , 47, assistente social, mestre em psicologia social pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), é ministra da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.

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