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HÉLIO SCHWARTSMAN
Liturgia de campanha
SÃO PAULO - Não deixa de ser um
pequeno milagre: mesmo sem ter
desempenhado papel determinante na votação presidencial, a religião ganhou momento e passou a
definir a liturgia da campanha.
É conveniente para todos. Padres
e pastores posam de grandes eleitores, Dilma abafa um pouco o caso
Erenice e Serra pode continuar sonhando com o advento sobrenatural que subtrairá votos à petista.
Institucionalmente, porém, a
transubstanciação da campanha
em concurso de coroinhas é algo a
lamentar. Não que religiosos não
devam opinar. Na democracia, clérigos são livres para pregar o que
bem desejarem e eleitores só devem
satisfações do voto a suas consciências. Na verdade, seria impossível
pedir às pessoas que não levem em
conta seus valores (às vezes amparados em ensinamentos teológicos)
na hora de fazer suas escolhas.
As dificuldades surgem quando
a religião se torna a justificativa para posições inegociáveis. Ao pautar
a política por uma lógica espiritual,
que opera com conceitos como o de
pecado, o discurso religioso introduz absolutos morais em questões
que não podem ser tratadas de forma dogmática ou maniqueísta sem
negar a própria política.
Enquanto uma lei positiva se justifica por sua racionalidade, comporta gradações e pode ser objeto
de negociação, o pecado, por ter sido definido por uma autoridade incontestável, vem na forma de pacotes inegociáveis. A própria lei de
aborto, de 1940, é um exemplo. Ela
veda o procedimento, mas prevê
exceções (risco de vida para a mãe e
estupro) que não são admissíveis
na lógica puramente religiosa.
Utilizar absolutos na política
-religiosos ou ideológicos- é ruim
porque eles a descaracterizam como instância de mediação de conflitos. O remédio contra isso, como
já intuíram no século 18 os "philosophes" do Iluminismo francês e os
"founding fathers" dos EUA, é a separação Estado-igreja. É essa linha
que fica meio borrada com a introdução da fé na corrida eleitoral.
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