São Paulo, quinta-feira, 14 de outubro de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Impunidade para traficantes

ANDRÉ LUIZ DOS SANTOS e SILVIO DE CILLO LEITE LOUBEH


Ao permitir que traficantes tenham penas substituídas por medidas alternativas, o STF passou por cima da manifestação do Legislativo

Lugar de traficante não é mais na cadeia. É na escola, prestando serviços. Pelo menos é essa a decisão do STF, que, em setembro, julgou inconstitucional dispositivo da Lei de Drogas que proibia a aplicação das chamadas penas alternativas àqueles condenados pelo crime de tráfico de entorpecentes.
A decisão, proferida no julgamento de um habeas corpus, produz efeitos apenas para o caso específico, mas indica um entendimento que poderá ser repetido em outros julgamentos.
O fundamento para o reconhecimento da inconstitucionalidade da norma foi o princípio constitucional da individualização das penas.
Ora, é a própria Constituição Federal que prevê tratamento mais rigoroso para os autores dos crimes hediondos e equiparados, como é o caso do tráfico.
Também é a Constituição que remete ao Congresso a regulamentação das penas alternativas, que já o havia feito, inclusive criando restrições à sua aplicação, sem que se falasse em ofensa ao referido princípio da individualização das penas.
É certo que o legislador não pode tratar, de forma diversa, situações idênticas. Não é o caso do traficante, o que traz correção à decisão do Poder Legislativo na vedação de pena alternativa para o tráfico.
Ao permitir que traficantes tenham suas penas substituídas por medidas alternativas, o STF passou por cima da soberana manifestação do Poder Legislativo, que, de forma legítima e atendendo ao espírito da Constituição, impôs a estes criminosos um tratamento mais severo.
A Lei de Drogas, não com nosso aplauso, já havia criado diferença no tratamento para pequenos e grandes traficantes, permitindo àqueles redução drástica na pena.
Ou seja, o Poder Legislativo já tinha estabelecido uma política criminal favorecendo os criminosos de menor gravidade, com menos tempo de cárcere e possibilidade de reinserção rápida à sociedade, com a progressão de regime.
Nesse sentido, um traficante primário e não integrante de organização criminosa é condenado, em regra, a pena de um ano e oito meses.
Com a progressão, permanece apenas oito meses no regime fechado, passando ao semiaberto, com possibilidade de trabalhar fora do presídio, e depois para o aberto.
Isso já nos parece por demais brando, tratando-se de crime que a própria Constituição Federal considerou hediondo.
Não podemos nos esquecer, ainda, que Justiça criminal não se confunde com justiça social. Os malefícios decorrentes do tráfico de entorpecente são amplamente conhecidos pela sociedade brasileira e precisam ser reprimidos duramente.
A experiência mostra que, direta ou indiretamente, a maior parte dos crimes violentos (homicídios, latrocínios, roubos) está relacionada ao comércio e ao consumo de drogas.
A recente decisão do Supremo Tribunal Federal representa grave prejuízo para a repressão do tráfico de drogas e um incentivo para o envolvimento de nossos jovens no comércio de entorpecentes.


ANDRÉ LUIZ DOS SANTOS, 34, mestre em direito constitucional, é promotor de Justiça em Guarujá (SP). Trabalhou no Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) em Santos.
SILVIO DE CILLO LEITE LOUBEH 35, é promotor de Justiça em Cubatão (SP). Trabalhou no Gaeco em Guarulhos.

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