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Resposta mesquinha
Congresso precisa votar reforma política, e não mecanismos para burlar fidelidade partidária decidida pelo Supremo
A CRÔNICA das "reformas
políticas" que vêm sendo implantadas de modo assistemático e anômalo no país ganhou mais um capítulo. A previsível reafirmação,
pelo Supremo Tribunal Federal,
das regras sobre a fidelidade partidária -norma criada pela corte
em outubro de 2007 e regulamentada pelo Tribunal Superior
Eleitoral em seguida- deflagrou
uma lamentável reação corporativista no Congresso.
Deputados e senadores pretendem aprovar um atalho legal
que lhes devolva a faculdade de
mudar de partido impunemente.
A idéia -que demonstra como
parlamentares são inventivos
quando se trata de legislar em
causa própria- é criar uma "janela" para o troca-troca. Como
maio é o mês das noivas e outubro, o das crianças, todo setembro que antecedesse um ano eleitoral seria o mês da infidelidade
tolerada na política.
Pelo projeto do deputado Flávio Dino (PC do B-MA), durante
esses 30 dias senadores, deputados, vereadores, prefeitos, governadores e até o presidente da República poderiam mudar de legenda sem correr o risco de perder o mandato. A iniciativa está
tão eivada de esperteza, no sentido macunaímico do termo, que
soa como um acinte, uma caçoada que ofende não só o público,
mas a própria decisão do STF.
A corte constitucional decidiu,
há mais de um ano, que o mandato dos políticos eleitos no sistema proporcional (deputados e
vereadores) pertence ao partido.
Mais tarde, o TSE estendeu a
possibilidade de perda do cargo a
senadores, prefeitos, governadores e presidente que trocassem
de legenda. A entrada do Judiciário nessa seara, tipicamente legislativa, decerto não foi o melhor caminho para acabar com a
distorção da infidelidade partidária generalizada.
A intervenção do Supremo
criou, ademais, outros problemas, que já começam a aparecer.
Mais de 2.000 processos em torno da perda de cargos eletivos
por troca de legendas já entopem
os escaninhos do TSE. Em cada
caso, os ministros da corte terão
de decidir se a cassação é devida
ou se ele pode ser enquadrado
nas exceções -perseguição pessoal, mudança substancial do
programa partidário, criação de
novas siglas- admitidas pelo órgão. Juízes começarão a resolver
pendências bastante subjetivas,
características do jogo político.
Não há hipótese, contudo, de o
Supremo voltar atrás na decisão
tomada, ao menos no curto prazo. Como a cartada ensaiada no
Congresso, a "janela de infidelidade", afronta brutalmente o
pressuposto de que o mandato
pertence ao partido, é provável
que seja fulminada pelo STF caso se transforme em lei.
A licença de 30 dias para traições partidárias é uma resposta
ridícula ao desafio que se impõe
ao Congresso -cuja inação de
mais de uma década na reforma
política permitiu que o Supremo
atendesse a alguns anseios da sociedade. Para que ocupem o centro desse debate, local que lhes é
de direito, os legisladores precisam mirar mais alto e aprovar
projetos que alterem os mecanismos de escolha de representantes populares no país, caso do
sistema distrital misto.
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