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MÁRIO MAGALHÃES
No elevador social
RIO DE JANEIRO - A reunião de condomínio na noite chuvosa da segunda-feira passada se arrastava com
conversas sobre quase tudo e mais
um pouco, menos o que a mulher de
voz rouca realmente queria. Caída
em tentação, ela se insinuou.
""O novo portão lateral da frente do
prédio vai começar a funcionar?"
""Sim", respondeu o síndico. ""Então
vai ser a entrada de serviço?" ""Sim",
confirmou o síndico de sotaque espanhol. Com a bola quicando, ela chutou: ""Então as empregadas vão entrar só por esse portão e pegar só os
elevadores de serviço, né?". Bola fora.
Enviara cartas à administração batendo-se pela expulsão das domésticas dos elevadores ditos sociais -os
outros, quem sabe, seriam não-sociais. Surpresa com a reação de um
punhado de vizinhos, a mulher de
voz rouca atacou: ""Dia desses eu entrei no elevador e uma empregada estava com um top escandaloso".
Não explicou qual seria a diferença
de tal peça do vestuário feminino ser
por demais diminuta num elevador
ou noutro. Nem o que aconteceria se
fosse uma patroa ou sua filha adolescente, e não a empregada, quem trajasse o pano minúsculo.
Teve mais: ""Pior foi uma empregada que, quando eu entrei no elevador, não me deu nem bom-dia". E se
fosse outro o morador a não cumprimentá-la? Seria degredado também
para o elevador de serviço por não
acenar para tão afável criatura?
Incansável, a mulher indagou:
""Onde está escrito que empregada
tem de andar no elevador social?". A
Constituição veta segregação. A lei
estadual fluminense 962/85 (sim, o
edifício fica no Rio) proíbe ""discriminação do uso das entradas, elevadores e escadas dos prédios em virtude
de raça, cor ou condição social".
Se a família do craque Ronaldo padece com o preconceito para subir à
cobertura da Barra com condomínio
de R$ 13.500, imagine os que não tiraram a sorte grande no futebol.
A despeito de visões idílicas sobre a
democracia brasileira, o elevador social e o de serviço ainda constituem
metáforas do nosso apartheid. É esse
o país que o governo Lula herdará.
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