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CLÓVIS ROSSI
Ou a coesão ou a barbárie
SÃO PAULO - Com 31 anos de polícia, José Manoel Martins, delegado adjunto do 77º Distrito Policial
de São Paulo, ainda conseguiu espantar-se com o caso que lhe chegou às mãos faz dias: um rapaz se
apresentou no distrito com a boca
sangrando por um soco.
Banal, certo? Mais ainda no 77º
DP, que fica em Santa Cecília, no
degradado centro velho. Por que a
trivialidade do soco na boca impressionou um policial veterano?
Pelos envolvidos. Quem apanhou
era o rapaz que, a pedido de um benemérito anônimo, distribuía café
com leite e pão com manteiga para
os moradores de rua da área.
Quem bateu foi o dono de uma
padaria próxima, incomodado com
a, digamos, concorrência desleal do
pão, leite e café de graça.
Essa historinha diz muito sobre o
verdadeiro pano de fundo da tragédia brasileira, feita de violência animalizada e insegurança coletiva: o
rompimento absoluto da coesão social, se é que houve alguma coesão
algum dia.
Pelo menos nas grandes cidades,
implantou-se a lei da selva, pela
qual sobrevive/prospera não necessariamente quem é mais apto, mas
quem é mais forte.
Da desumanização decorrente,
nascem crimes como o do menino
João Hélio, o incêndio de um ônibus lotado no Rio e o de um carro
com uma família presa dentro em
São Paulo, para não mencionar os
41 mil homicídios, os 942 mil assaltos, os 2,1 milhões de furtos e os 650
seqüestros do ano retrasado.
A estrutura social injusta, até
obscena, não pode servir de habeas
corpus para o crime. Se todos os "famélicos do mundo" (para citar a Internacional) resolvessem matar
crianças, já não haveria adultos para contar a história.
Mas é preciso deixar claro que, ou
o Brasil começa já a construir um
pacto social de fato, ou o teor de
barbárie só fará aumentar.
Alguém aí enxerga estadistas
com dimensão para a tarefa?
crossi@uol.com.br
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