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Flanco aberto
Confissão de ministro sobre embarque de carne irregular revela falta de controle em exportações cruciais para o país
DUAS NOTÍCIAS marcaram a agropecuária nacional na semana. Primeiro se soube que a
balança comercial do setor manteve alto superávit em janeiro,
com saldo de US$ 3,3 bilhões,
tendo as vendas de carne (bovina, suína e de aves) ultrapassado
a receita com soja e derivados.
Depois ocorreu a chocante revelação de que o país exportou carne de gado não-rastreado no
mesmo mês, enquanto se agravava o contencioso sanitário-comercial com a União Européia.
Trata-se de um vexame. Não
bastou o mau jeito de enviar, há
duas semanas, uma lista com
2.681 propriedades aptas a cumprir o rastreamento -informações sobre a origem de cada cabeça de gado. Os europeus haviam limitado o número a 300
fazendas, alegando incapacidade
do Brasil de fiscalizar mais. Além
disso, o ministro da Agricultura,
Reinhold Stephanes, admite tacitamente a inoperância de sua
pasta na véspera da reabertura
de negociações com a UE.
Stephanes não deu nomes aos
bois, ou seja, a quem descumpriu
regras de embarque anteriormente acordadas com o parceiro
comercial. Para não lançar desconfiança sobre todo o setor, o
ministro tem a obrigação de revelar qual o tamanho da fraude e
quem a perpetrou.
O ministro acerta ao manter
aberto o canal de negociação. Na
origem do embargo europeu estão as razões protecionistas de
sempre -pressões dos produtores locais, que não conseguem
concorrer em igualdade de condições com os pecuaristas brasileiros. Denunciar a manobra em
foros apropriados, como a OMC,
é um recurso do qual o Brasil não
deve abrir mão. Mas isso não diminui em nada, nem no curto
nem no médio prazo, o prejuízo,
estimado em US$ 5 milhões por
dia, que o boicote europeu inflige
aos produtores brasileiros.
O ânimo protecionista europeu tampouco redime o Brasil no
que tange ao descaso com procedimentos -como a rastreabilidade do rebanho e os controles
sanitários- que tornariam bem
mais difícil encontrar pretextos
para embargos contra a carne.
Quem quer manter-se na posição de maior fornecedor mundial precisa ser obsessivo com
controles de qualidade.
Tomara fosse essa a única mazela do agronegócio brasileiro. A
rastreabilidade exigida pela UE
não é a primeira nem será a última barreira levantada contra esse setor da nossa economia. Muito sensíveis também são as áreas
social (casos isolados de trabalho
infantil e similar à escravidão) e
ambiental (destruição de florestas e outros habitats).
No segundo quesito, ao menos,
desenha-se ameaça mais séria,
em face da atenção mundial com
a Amazônia. Não faltam estudos
mostrando a pecuária como atividade mais comum nas áreas
desmatadas (pastagens cobrem
quase 80% delas). O rebanho
amazônico cresce dez vezes mais
depressa que no restante do país.
Engana-se quem pressupõe
que produtos como soja, milho e
álcool ficarão imunes a essa associação indesejável. E aqui, de
novo, o governo federal patina.
Nem a óbvia providência do
zoneamento econômico-ecológico foi finalizada. Quando vier,
só será eficiente se for acompanhada de uma regularização fundiária para desbaratar as quadrilhas que se apossam de abundantes terras públicas na Amazônia.
A meta é um sistema amplo de
controle de origem e certificação, na Amazônia e fora dela. Esse é um imperativo de competitividade. A julgar pelo caso da carne, o Brasil ainda precisa avançar
muito, e depressa, a fim de preparar-se para essa guerra.
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