São Paulo, sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

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Flanco aberto

Confissão de ministro sobre embarque de carne irregular revela falta de controle em exportações cruciais para o país

DUAS NOTÍCIAS marcaram a agropecuária nacional na semana. Primeiro se soube que a balança comercial do setor manteve alto superávit em janeiro, com saldo de US$ 3,3 bilhões, tendo as vendas de carne (bovina, suína e de aves) ultrapassado a receita com soja e derivados. Depois ocorreu a chocante revelação de que o país exportou carne de gado não-rastreado no mesmo mês, enquanto se agravava o contencioso sanitário-comercial com a União Européia.
Trata-se de um vexame. Não bastou o mau jeito de enviar, há duas semanas, uma lista com 2.681 propriedades aptas a cumprir o rastreamento -informações sobre a origem de cada cabeça de gado. Os europeus haviam limitado o número a 300 fazendas, alegando incapacidade do Brasil de fiscalizar mais. Além disso, o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, admite tacitamente a inoperância de sua pasta na véspera da reabertura de negociações com a UE.
Stephanes não deu nomes aos bois, ou seja, a quem descumpriu regras de embarque anteriormente acordadas com o parceiro comercial. Para não lançar desconfiança sobre todo o setor, o ministro tem a obrigação de revelar qual o tamanho da fraude e quem a perpetrou.
O ministro acerta ao manter aberto o canal de negociação. Na origem do embargo europeu estão as razões protecionistas de sempre -pressões dos produtores locais, que não conseguem concorrer em igualdade de condições com os pecuaristas brasileiros. Denunciar a manobra em foros apropriados, como a OMC, é um recurso do qual o Brasil não deve abrir mão. Mas isso não diminui em nada, nem no curto nem no médio prazo, o prejuízo, estimado em US$ 5 milhões por dia, que o boicote europeu inflige aos produtores brasileiros.
O ânimo protecionista europeu tampouco redime o Brasil no que tange ao descaso com procedimentos -como a rastreabilidade do rebanho e os controles sanitários- que tornariam bem mais difícil encontrar pretextos para embargos contra a carne. Quem quer manter-se na posição de maior fornecedor mundial precisa ser obsessivo com controles de qualidade.
Tomara fosse essa a única mazela do agronegócio brasileiro. A rastreabilidade exigida pela UE não é a primeira nem será a última barreira levantada contra esse setor da nossa economia. Muito sensíveis também são as áreas social (casos isolados de trabalho infantil e similar à escravidão) e ambiental (destruição de florestas e outros habitats).
No segundo quesito, ao menos, desenha-se ameaça mais séria, em face da atenção mundial com a Amazônia. Não faltam estudos mostrando a pecuária como atividade mais comum nas áreas desmatadas (pastagens cobrem quase 80% delas). O rebanho amazônico cresce dez vezes mais depressa que no restante do país.
Engana-se quem pressupõe que produtos como soja, milho e álcool ficarão imunes a essa associação indesejável. E aqui, de novo, o governo federal patina.
Nem a óbvia providência do zoneamento econômico-ecológico foi finalizada. Quando vier, só será eficiente se for acompanhada de uma regularização fundiária para desbaratar as quadrilhas que se apossam de abundantes terras públicas na Amazônia.
A meta é um sistema amplo de controle de origem e certificação, na Amazônia e fora dela. Esse é um imperativo de competitividade. A julgar pelo caso da carne, o Brasil ainda precisa avançar muito, e depressa, a fim de preparar-se para essa guerra.


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