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TENDÊNCIAS/DEBATES
Eleições americanas: confronto decisivo
BORIS FAUSTO
Quaisquer que sejam as diferenças programáticas entre os dois democratas, muito depende da vitória de Hillary Clinton ou de Obama
POR MAIS que se fale em declínio
do império, por mais que se fale
de um mundo multipolar, sem
dúvida em visível formação, o resultado das eleições norte-americanas terá
importantes conseqüências internas
e para os destinos do mundo. Não é
por acaso, aliás, que as complicadas
primárias, vem atraindo a atenção da
mídia mundial e a participação de um
número considerável de eleitores, no
âmbito de uma disputa que começou
bem cedo.
Do lado republicano, a candidatura
do senador pelo Estado do Arizona
John McCain está praticamente assegurada. Político distanciado do "establishment" de Washington -centro
de poder visto com desconfiança nos
grotões americanos-, patriota, prisioneiro de guerra no Vietnã, o candidato republicano produziu uma reviravolta no sentimento derrotista predominante até há pouco no Partido
Republicano, tornando-se um candidato forte nas eleições de novembro.
Depois dos oito anos desastrosos
do governo Bush, seria McCain um
nome de centro, até com alguns tons
liberais, como suspeitam os fundamentalistas de direita mais arraigados, que fazem restrições a seu nome?
Há poucos sinais de que essa "suspeita" seja verdadeira. O senador pelo
Arizona é um conservador na área do
que os americanos chamam de "moral values" (valores morais) e apenas
no caso da imigração mostra-se algo
mais aberto. Na política externa, é um
falcão de garras bem afiadas. Defende
uma política de vitória no Iraque,
mesmo a alto preço, e quer esticar a
corda nas relações com o Irã, incorrendo em altos riscos para a estabilidade da região.
É sempre possível que um candidato faça afirmações em campanha, ou
antes dela, sem concretização quando
no poder. Mas o exemplo de Bush deve ser levado a sério. Ele e seus assessores foram sinceros ao pôr em prática, em toda a extensão, a política assustadora prometida em seus escritos
e discursos de campanha.
Esse quadro aumenta a responsabilidade dos democratas, às voltas com
uma disputa acirrada entre os senadores Barack Obama e Hillary Clinton. Quaisquer que sejam as diferenças programáticas entre os dois, muito depende da vitória de um ou de outro. Por exemplo, no plano dos valores morais, a continuidade e ampliação das pesquisas e da utilização das
células-tronco, que permitem poupar
milhões de vidas, hoje sujeitas a muitas restrições; ou o direito à livre escolha pelas mulheres no tocante ao
aborto, assegurado, há anos, por uma
decisão da Suprema Corte Americana, no famoso caso Roe versus Wade,
pendente agora de um único voto revisor naquela Corte, depois de todas
as indicações de juízes conservadores
nos últimos tempos.
Seria ilusório pensar que um ou outro dos candidatos democratas, se
chegarem à presidência, revolucionariam a política americana. Mas eles
teriam atitudes bem mais progressistas no campo acima apontado e em
questões que interessam diretamente
a todo o mundo, como as do meio ambiente e das relações internacionais.
Nesta última esfera, as alternativas
não se resumem a uma saída ordenada do Iraque, dizendo respeito à adoção de princípios de uma política externa multilateral que, sem arrogância, seja capaz de admitir parceiros, e
que valorize os organismos internacionais, na busca de solução dos muitos conflitos antigos e novos, até mesmo os mais renitentes como é o caso
do choque Israel-Palestina.
Não é por acaso que muitas vozes
respeitáveis vem defendendo a alternativa de uma chapa democrata formada pelos dois candidatos em disputa. Essa solução -simples no papel,
complicada na ordem prática das coisas- ajudaria a curar feridas abertas
na acirrada campanha e aumentaria
as possibilidades de uma vitória do
Partido Democrata.
A união pode ser decisiva, no sentido de atrair o voto independente, o
dos eleitores negros e latinos - independentes ou não -, facilitar a continuidade da "onda Obama", servindo
ainda, quem sabe, para neutralizar a
rejeição à senadora Hillary Clinton,
por parte de muitos eleitores brancos.
Pode parecer estranho, mas na atual
disputa pela presidência americana, o
preconceito de raça vem dando lugar
ao preconceito de gênero, responsável por parte dos índices de rejeição
da senadora.
Análises à parte, uma mulher e um
negro (para os padrões americanos),
ou, se quiserem, um negro e uma mulher, ambos com inegáveis qualidades
pessoais, liderando os Estados Unidos, seriam um assombro -um assombro muito positivo- para aquele
país e para o mundo.
BORIS FAUSTO, historiador, é presidente do Conselho
Acadêmico do Gacint (Grupo de Conjuntura Internacional)
da USP. É autor de, entre outras obras, "A Revolução de
30" (Companhia das Letras).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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