|
Próximo Texto | Índice
Editoriais
editoriais@uol.com.br
Clima de desconfiança
Sucessão de erros abala credibilidade de órgão global para estudo da mudança climática, que precisa ser reformulado
DIFICILMENTE o IPCC
-Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, órgão
criado pela ONU e pela Organização Meteorológica Mundial-
sairá incólume da crise de credibilidade que o acossa. Uma sucessão de erros e desvios de conduta de membros do painel vieram à tona. Para um colegiado de
base científica, configura-se uma
hemorragia de prestígio que poderá levá-lo à morte.
Entre as gafes mais espetaculares do IPCC figura o pedido de
desculpas, no mês passado, pela
inclusão, no relatório de 2007, da
previsão de que as geleiras desapareceriam do Himalaia "muito
provavelmente" no ano de 2035.
Rajendra Pachauri, presidente
do órgão, reconheceu que "os padrões claros e bem estabelecidos
de evidências apontam que procedimentos do IPCC não foram
aplicados apropriadamente".
Pouco antes, em Copenhague,
gerava polêmica a revelação de
uma série de e-mails capturados
por "hackers" dos computadores
da Universidade de East Anglia.
As mensagens trocadas entre climatólogos britânicos e norte-americanos sugeriam o uso deliberado de artifícios para reforçar
a tese do aquecimento global.
Agora, por todo lado surgem
propostas de reformulação do
IPCC. E não são só os "céticos"
do aquecimento global: na última edição do influente periódico
"Nature", por exemplo, 4 de 5 colaboradores do painel manifestaram-se a favor de mudanças.
De fato parece esgotado o modelo surgido há duas décadas.
Centenas de pesquisadores participam da produção dos relatórios de avaliação do IPCC, sumários da melhor ciência sobre o
clima publicados com intervalos
de cerca de seis anos. Os autores
são selecionados entre nomes
indicados por governos.
Com o passar dos anos, produziu-se uma tendência para a uniformidade de pensamento, indesejável num órgão encarregado
de fornecer informação científica relevante -mas não prescritiva- para a tomada de decisão.
Para alguns críticos também é
perceptível um substrato anticapitalista em certas postulações
anunciadas pelo painel como
verdades científicas.
Mesmo que acusações de manipulação e relações problemáticas entre ciência e política não
sejam suficientes para conspurcar a maior parte das constatações e previsões dos relatórios,
não há dúvida de que uma atmosfera de desconfiança envolverá o que se publicar doravante.
Há várias ideias sobre como
restaurar a credibilidade. A medida mais urgente seria desvincular o IPCC, ou o órgão que o
venha substituir, da influência
direta da ONU e dos governos.
Não é uma tarefa simples. Cogita-se uma agência com mais
autonomia, que teria a incumbência de produzir relatórios
mais específicos e frequentes,
talvez bienais, sob um regime
transparente de revisão por especialistas externos.
É um bom ponto de partida para discutir uma nova e necessária
fase de avaliação dos efeitos da
atividade humana sobre o clima.
Próximo Texto: Editoriais: Na linha certa
Índice
|