São Paulo, quinta-feira, 15 de março de 2007

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Educação urgente

RAUL HENRY

Os dados da educação são desoladores. Mas o que mais chama a atenção é a pequena repercussão de um fato com tal gravidade

TRÊS FATOS marcaram a vida do país neste início de 2007. O primeiro, um pacote econômico anunciado com grande estardalhaço, mas tímido no conteúdo. Não enfrenta o principal desafio do Estado brasileiro, que é reduzir as despesas correntes e ampliar sua capacidade de investimento.
O segundo, o martírio de João Hélio, que levou ao ápice do horror a tragédia da violência urbana no país. Uma comoção profunda -e mais que justificada- tomou conta de toda a sociedade brasileira.
O terceiro, e de menor repercussão, foram os resultados do Saeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica). Eles indicam a piora do desempenho das escolas brasileiras, dez anos após iniciadas as avaliações.
Os dados são desoladores. Quando se observa a série histórica dos números do Saeb, numa escala de 0 a 500 pontos, tem-se o seguinte. Na quarta série do ensino fundamental, a nota de português caiu de 188,3 para 172,3 entre 1995 e 2005. Em matemática, na mesma quarta série, a queda foi de 190,6 para 182,4. Na oitava série, em português, a nota caiu de 256,1 para 231,9, e, em matemática, de 253,2 para 239,5, no mesmo período. Na terceira série do ensino médio, em português, a queda foi de 290 para 257,6, e, em matemática, de 281,9 para 271,3.
No Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), os índices confirmam a queda do desempenho. De 2005 a 2006, a nota da prova objetiva caiu de 39,4 para 36,9. A de redação, de 55,96 para 52,08, numa escala de 0 a 100.
Outro dado lamentável do Enem é a histórica desigualdade entre as redes pública e privada. Na prova objetiva, a média da rede privada foi de 50,57. Na rede pública, de 34,94. Em redação, mais uma vez a rede privada leva vantagem: 59,77 a 51,23.
Os diagnósticos são múltiplos. O fato é que, após a universalização, alcançada no governo anterior, nenhum progresso se realizou. O atual governo perdeu quatro anos sem achar o foco. Agora, finalmente, parece ter compreendido que a prioridade é a educação básica. E, com orçamento limitado, é inevitável enfrentar o dilema de definir prioridade. Mas o que mais chama a atenção é a pequena repercussão de um fato com tamanha gravidade. Depois das notícias publicadas pela imprensa, poucos se pronunciaram. A sociedade civil e os movimentos sociais não se manifestaram. Parece que não há uma crise com nefastas conseqüências para o país. A sensação é a de que o problema não faz parte do nosso mundo. Nossos filhos não sofrem os efeitos dessa realidade. Eles não freqüentam a escola pública.
No entanto, ela é o único instrumento de que dispomos para a construção de um projeto nacional, capaz de reconstituir o tecido de uma sociedade dilacerada por sua histórica iniqüidade. Jamais seremos uma nação viável sem cumprir a etapa de uma escola pública de qualidade. A redução da desigualdade tem de começar na largada da corrida por oportunidades.
Esse esforço demandará, no mínimo, uma geração e, por isso, deve ser iniciado imediatamente. Os exemplos mostram que é possível, desde que Estado e sociedade o definam como prioridade. Os casos da Coréia, da Irlanda, do Chile, da Espanha e de Portugal são recorrentes na literatura especializada. No Brasil, são gastos U$ 944 per capita/ano na educação básica. Metade do gasto da Argentina, do Chile e do México e sete vezes menos que o investido na Comunidade Européia, segundo a Unesco. O novo Fundeb é insuficiente. Em 2010, quando a União estiver repassando o máximo de recursos previstos, a projeção é de um aumento correspondente a apenas 0,3% do PIB.
Há que implantar uma política de formação de professores, um piso salarial para o país e um sistema de gestão com base na autonomia da escola, baseado no conceito de produtividade e premiação por metas alcançadas. O quadro é de desalento, mas há iniciativas relevantes. Surgem ações por uma educação de qualidade para os que estão à margem. São entidades do terceiro setor, empresas individuais ou coalizões empresariais, como o IQE (Instituto pela Qualidade do Ensino) e o Compromisso Todos pela Educação, que decidiram fazer a sua parte.
Eles certamente concordam com a canção do genial Lenine: "Olho na pressão, tá fervendo / Olho na panela / Dinamite é o feijão cozinhando / Dentro do molho dela / A bruxa mexeu o caldo / Se liga aí, ô galera / Tá pingando na mistura / A saliva da besta-fera".


RAUL HENRY, 42, economista, é deputado federal pelo PMDB de Pernambuco.

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