São Paulo, terça-feira, 15 de março de 2011

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CARLOS HEITOR CONY

S. Exa., o leitor

RIO DE JANEIRO - Deus é testemunha de que nada tenho contra os leitores. Pelo contrário, se não existissem esses seres abnegados, não haveria livros nem jornais, e eu teria morrido de fome há anos.
Mas vamos e venhamos, não podemos nos escravizar a eles, bajulando-os, procurando adivinhar o que pensam ou desejam.
Ao contrário dos restaurantes e dos balcões comerciais, nem sempre os fregueses do nosso produto têm razão. Leio com atenção as cartas que as Redações recebem.
Evidente que os critérios mudam de jornal para jornal, além disso, o mercado consumidor é heterogêneo por natureza.
Raro é o dia em que não aparece um leitor furibundo comunicando que não mais assinará nem lerá o jornal por causa de um editorial, uma notícia ou um comentário que ele não aprovou.
Trabalhei durante anos num jornal que até o dia 1º de abril de 1964 criticava o governo de então.
Veio o golpe militar e já no dia 2 o jornal passou a criticar o novo regime que se instalava no país.
Naquele tempo, o jornal tinha uns 150 mil assinantes, era troço pra burro, estava no topo da imprensa carioca como o órgão mais influente e de maior vendagem avulsa.
Com a mudança na opinião, a cólera dos leitores foi tal e tamanha que a tiragem chegou à metade. Dois meses depois, o estoque de papel, que deveria durar um ano, foi consumido pelas rotativas, as vendas triplicaram. O jornal era vendido até no câmbio negro.
Não mudara a linha editorial, que era liberal e continuou liberal, defendendo a democracia e o respeito aos direitos humanos violentados pela nova classe que chegara ao poder.
Não tinha nenhum compromisso partidário. Alguns leitores custaram a perceber isso.


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