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Alimento à hipocrisia
Tom apocalíptico sobre
carestia da comida é
exagero; subsídios de
países ricos dificultam
revolução agrícola global
QUE INSTITUIÇÕES multilaterais, como as Nações Unidas, o FMI e o
Banco Mundial, perdem importância não é segredo.
O inusitado é que, agora, tentem
compensar essa diminuição de
peso relativo com uma gritaria
apocalíptica em torno da inflação dos alimentos -e de sua relação com os biocombustíveis.
A fiar-se nas palavras de representantes dessas instituições, o
mundo parece à beira de um cataclismo. Legiões de famélicos
seriam produzidas a cada centavo de alta no preço das commodities; dezenas de conflitos seriam fomentados por causa da
falta de comida. Nesse cenário,
os biocombustíveis seriam mesmo "um crime contra a humanidade", como disse ontem o relator da ONU para o direito à alimentação, Jean Ziegler.
Há, evidentemente, um exagero estrondoso nesse tipo de avaliação. Ela perde de vista a hierarquia dos fatores que concorrem para a inflação no preço da
comida, fenômeno mundial. A
parcela de grãos ora utilizada para a produção de combustível,
uma fronteira tecnológica no
mundo rico, não tem escala para
produzir, sozinha, elevação tão
vultosa e abrangente no preço
dos gêneros alimentícios.
O ganho contínuo de renda das
populações mais pobres do mundo -na Ásia, na América Latina e
na África-, as quebras de produção em países que são grandes
exportadores agropastoris, a disparada no preço da energia e a
especulação financeira contra o
dólar são os fatores preponderantes para a inflação da comida.
O uso crescente do milho, nos
EUA, para a produção de álcool
também ajuda no processo, mas
de modo bem mais restrito.
Abortar investimentos em biocombustíveis, portanto, seria a
terapia errada para ampliar em
ritmo suficiente a oferta de alimentos. A abordagem correta seria liberar as forças produtivas
agrícolas, em nível mundial, de
constrangimentos que atravancam os ganhos de produtividade
no setor. Leia-se: acabar com os
subsídios a lavouras e rebanhos
nas nações desenvolvidas.
Se esse imperativo vigorasse,
países africanos miseráveis já teriam passado de importadores a
exportadores de comida; uma revolução nas técnicas rudimentares adotadas em vastas regiões
do mundo em desenvolvimento
teria multiplicado o volume colhido e abatido; o biocombustível
para complementar a demanda
global por energia seria obtido
em terras tropicais que hoje têm
baixíssimo ou nenhum aproveitamento; todo o milho produzido nos Estados Unidos seria destinado à alimentação.
Os governos de países ricos de
repente ficaram preocupados
com o impacto da carestia alimentar na pobreza global. Que
ajam, então, para resolver o problema e ponham um fim às barreiras agrícolas.
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