São Paulo, quarta-feira, 15 de maio de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Sobre a infância

PAULO RENATO SOUZA

Universalização da educação básica, redução expressiva da taxa de mortalidade infantil, erradicação da poliomielite, combate ao trabalho infantil, queda acentuada dos casos de sarampo e cobertura de mais de 90% da população-alvo nas vacinas infantis.
Esses são alguns dos progressos que, como chefe da delegação brasileira à Sessão Especial da Assembléia Geral das Nações Unidas sobre Crianças, apresentei em 9 de maio, na sede da ONU. Avançamos mais -e mais rapidamente- no cumprimento das metas estabelecidas do que o restante do mundo.
Em 1990, o Brasil e outros 189 países assinaram um acordo comprometendo-se a atingir 27 metas em diversas áreas, para melhorar a vida das crianças. A declaração e seu programa de ação contêm um conjunto detalhado de objetivos de desenvolvimento humano relativos à infância, com foco no ano 2000, incluindo reduções estipuladas das taxas de mortalidade infantil e materna, da subnutrição e do analfabetismo, bem como previa quais seriam os níveis que deveriam atingir o acesso a serviços básicos de saúde, educação, fornecimento de água potável e saneamento. O compromisso de alcançar as metas da Cúpula Mundial da Infância ajudou a colocar a criança e seus direitos em um patamar mais alto na agenda mundial.
Agora, os chefes de Estado e de governo mostraram como evoluiu em seus países a situação da infância durante a década de 90 e estabeleceram os próximos passos. Hoje o Brasil está definitivamente no rol de países que aceitam o caráter internacional dos direitos humanos, o que contribuiu de forma significativa para melhorar a imagem do país. O Brasil passa por profundas transformações, que o colocam na rota da democracia plena e da justiça social.
Os dados do IBGE mostram que, na educação, há dez anos, 21% das crianças de 7 a 14 anos estavam fora da escola. Agora temos 95% nas salas de aula. Das crianças mais pobres, 1 em cada 4 não frequentava as salas de aula. Hoje, são 7%. Com a implementação do Programa Bolsa-Escola, em 2001, o número de escolares vem aumentando. Em um ano, o programa já beneficia 8,3 milhões de crianças. Na pré-escola houve um avanço impressionante: em 1991, eram apenas 37% as crianças de 5 a 6 anos matriculadas; em 2000, são 72%. Trata-se da mais bem-sucedida política brasileira de inclusão social.


A trajetória da década de 90 ilustra as mudanças da relação do Estado com as crianças e os adolescentes


Outros destaques brasileiros: a redução da taxa de mortalidade infantil, de 48,4 por 1.000 nascidos vivos, em 1990, para 29,6, em 2000 -uma redução de 38%, ultrapassando a meta estabelecida pela ONU- e o Estatuto da Criança e do Adolescente, adotado em 1990. Considerado pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) um dos instrumentos legislativos mais avançados do mundo sobre o assunto, possibilitou a criação de um sistema de proteção à infância em parceria entre governo e sociedade.
Tive a satisfação de ouvir do administrador-geral do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), Mark Malloch Brown, durante um painel do qual participei, palavras extremamente elogiosas às políticas de educação adotadas em nosso país. Ele creditou ao sistema de informação e avaliação criado pelo Ministério da Educação nos últimos sete anos o êxito obtido na área educacional. Disse ainda que está se inspirando nesse trabalho para criar o sistema de avaliação e monitoramento das chamadas Metas do Milênio, que procuram estabelecer objetivos para os países a fim de melhorar as condições de vida de suas populações.
O problema das crianças em situação de risco representa o aspecto mais visível de nossa desigualdade social. O documento oficial do governo brasileiro não os oculta nem esconde nossa determinação de enfrentá-los e resolvê-los. A própria elaboração do documento foi realizada de forma aberta, chamando a sociedade civil a participar de um diálogo transparente e profícuo, com as organizações não-governamentais atuantes na área, de sorte a permitir maior visibilidade e eficiência às políticas públicas implementadas.
Enfrentar as dificuldades que persistem é um desafio nacional em prol da cidadania e da construção de um Estado democrático de Direito, inspirando iniciativas redistributivas e de redução da pobreza nas políticas sociais. As ações abrangentes que vimos tocando em apoio à criança mostram empenho em fazer com que as potencialidades brasileiras virem realidades perenes.
A trajetória da década de 90 ilustra as mudanças da relação do Estado com as crianças e os adolescentes. Esse processo consolidou uma nova institucionalização dos direitos, por meio da colocação na agenda pública de questões fundamentais que vêm modificando as práticas políticas e, certamente, têm impacto na mudança das relações do Estado, da família e da sociedade com a criança e o adolescente no seu atendimento e na garantia de seus direitos.
Há dificuldades que se apresentaram e ainda se apresentam, mas que são inerentes às construções democráticas.
O governo brasileiro, em parceria com a sociedade civil, continuará a unir esforços, nos próximos dez anos, com vistas a promover a inclusão social e a radicalização da democracia.


Paulo Renato Souza, 56, economista, é ministro da Educação. Foi reitor da Unicamp de 1986 a 1990 e secretário da Educação do Estado de São Paulo (governo Montoro).



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