São Paulo, domingo, 15 de maio de 2005

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CONTRA AS ARMAS

A Câmara dos Deputados deve aprovar em breve o projeto de decreto legislativo que define a pergunta a ser feita no referendo nacional sobre armas. Se não houver alterações, os eleitores brasileiros serão convocados em algum domingo de outubro próximo a responder à pergunta: "O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?". Esta Folha defende o "sim".
Fá-lo não por considerar a proscrição total o mais adequado nem por julgar que a medida, se aprovada e convertida em lei, será capaz de conter as ações cada vez mais ousadas de criminosos, mas porque, diante das alternativas, as vantagens da proibição parecem superar em muito os problemas por ela acarretados.
Ao longo do debate, defendeu-se neste espaço a proibição do porte, restrições à venda e o direito do cidadão manter arma em sua residência. Alertou-se, também, para o risco de um plebiscito criar falsas ilusões sobre a eficácia da medida num país em que as armas em mãos de civis, cidadãos de bem ou marginais, advêm, em larga escala, do comércio clandestino, sobre o qual o veto à venda regular não teria efeito, salvo, possivelmente, o de estimulá-lo.
Além de sua dimensão simbólica, a vantagem da proibição, desde que aliada a ações sistemáticas para reprimir a venda ilegal, está na possibilidade de reduzir significativamente um tipo muito específico de homicídio -o motivado por causas fúteis-, bem como os acidentes com armas de fogo. Esse ganho, ao que indicam as estatísticas, seria importante. Na Grande São Paulo, por exemplo, 60% dos homicídios são cometidos por pessoas sem histórico criminal e por motivos banais, como brigas de trânsito, discussões em bares e outras situações em que o destempero e os efeitos do álcool se associam à existência de uma arma à mão para produzir uma tragédia.
A esse respeito, a campanha de desarmamento, que recolheu mais de 300 mil artefatos principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro, parece já estar produzindo resultados auspiciosos. Estudo divulgado nesta semana indica que internações hospitalares relacionadas a ferimentos por tiros caíram 10,5% em SP e 7% no RJ desde o início da coleta.
O veto às armas pode ser interpretado como uma limitação ao direito de autodefesa, o qual, mais do que uma garantia legal, é um instinto biológico. Está entre as atribuições do Estado, todavia, definir regras para o exercício de certas atividades e fixar os requisitos para a concessão de licenças. Ninguém tem seu direito de ir e vir ameaçado pelo fato de não poder dirigir um carro sem possuir habilitação. E não resta dúvida de que a decisão, entre nós, está sendo tomada por caminhos democráticos.
Assim, se o plebiscito determinar que o poder público deve proibir a comercialização e circunscrever o porte de armas a militares, policiais e algumas outras categorias, não se deverá ver aí um atentado aos direitos e garantias fundamentais, mas apenas mais uma das clássicas regulamentações da vida em sociedade.
Tal decisão não vai, como já se disse, impedir que traficantes e outros representantes do crime organizado consigam o armamento leve ou pesado de que se utilizam. Para isso seriam necessárias outras medidas, que o poder público tem falhado em adotar. Diante do caminho que o debate seguiu, não resta dúvida, porém, que o melhor a fazer é votar pelo "sim" no plebiscito, na convicção de que a restrição às armas, sem ferir direitos fundamentais, venha a contribuir para preservar vidas e tornar melhor a sociedade brasileira.

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