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CONTRA AS ARMAS
A Câmara dos Deputados deve
aprovar em breve o projeto de
decreto legislativo que define a pergunta a ser feita no referendo nacional sobre armas. Se não houver alterações, os eleitores brasileiros serão
convocados em algum domingo de
outubro próximo a responder à pergunta: "O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no
Brasil?". Esta Folha defende o "sim".
Fá-lo não por considerar a proscrição total o mais adequado nem por
julgar que a medida, se aprovada e
convertida em lei, será capaz de conter as ações cada vez mais ousadas de
criminosos, mas porque, diante das
alternativas, as vantagens da proibição parecem superar em muito os
problemas por ela acarretados.
Ao longo do debate, defendeu-se
neste espaço a proibição do porte,
restrições à venda e o direito do cidadão manter arma em sua residência.
Alertou-se, também, para o risco de
um plebiscito criar falsas ilusões sobre a eficácia da medida num país
em que as armas em mãos de civis,
cidadãos de bem ou marginais, advêm, em larga escala, do comércio
clandestino, sobre o qual o veto à
venda regular não teria efeito, salvo,
possivelmente, o de estimulá-lo.
Além de sua dimensão simbólica, a
vantagem da proibição, desde que
aliada a ações sistemáticas para reprimir a venda ilegal, está na possibilidade de reduzir significativamente
um tipo muito específico de homicídio -o motivado por causas fúteis-, bem como os acidentes com
armas de fogo. Esse ganho, ao que
indicam as estatísticas, seria importante. Na Grande São Paulo, por
exemplo, 60% dos homicídios são
cometidos por pessoas sem histórico criminal e por motivos banais, como brigas de trânsito, discussões em
bares e outras situações em que o
destempero e os efeitos do álcool se
associam à existência de uma arma à
mão para produzir uma tragédia.
A esse respeito, a campanha de desarmamento, que recolheu mais de
300 mil artefatos principalmente em
São Paulo e no Rio de Janeiro, parece
já estar produzindo resultados auspiciosos. Estudo divulgado nesta semana indica que internações hospitalares relacionadas a ferimentos por
tiros caíram 10,5% em SP e 7% no RJ
desde o início da coleta.
O veto às armas pode ser interpretado como uma limitação ao direito
de autodefesa, o qual, mais do que
uma garantia legal, é um instinto
biológico. Está entre as atribuições
do Estado, todavia, definir regras para o exercício de certas atividades e fixar os requisitos para a concessão de
licenças. Ninguém tem seu direito de
ir e vir ameaçado pelo fato de não poder dirigir um carro sem possuir habilitação. E não resta dúvida de que a
decisão, entre nós, está sendo tomada por caminhos democráticos.
Assim, se o plebiscito determinar
que o poder público deve proibir a
comercialização e circunscrever o
porte de armas a militares, policiais e
algumas outras categorias, não se
deverá ver aí um atentado aos direitos
e garantias fundamentais, mas apenas mais uma das clássicas regulamentações da vida em sociedade.
Tal decisão não vai, como já se disse, impedir que traficantes e outros
representantes do crime organizado
consigam o armamento leve ou pesado de que se utilizam. Para isso seriam necessárias outras medidas,
que o poder público tem falhado em
adotar. Diante do caminho que o debate seguiu, não resta dúvida, porém, que o melhor a fazer é votar pelo "sim" no plebiscito, na convicção
de que a restrição às armas, sem ferir
direitos fundamentais, venha a contribuir para preservar vidas e tornar
melhor a sociedade brasileira.
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