São Paulo, segunda-feira, 15 de maio de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JOÃO SAYAD

Rigoletto

Aqui, do lado ocidental, não há ninguém preso por crime de opinião. Há prisioneiros sem culpa formada em Abu Ghraib e em Guantánamo e um magnata do petróleo preso na Rússia, mas a Rússia não é ocidental. E o desgraçado Jó brasileiro, que ficou 19 anos preso por engano, sai cego da prisão, recompensado com R$ 1.200 por mês.
Nenhum caso de prisão de intelectual, escritor, poeta, jornalista ou qualquer dissidente por crime de opinião. Nenhum marquês de Sade preso em nenhuma Bastilha.
É uma má notícia. Apesar de tanta insatisfação, não conseguimos escandalizar, nem criticar, nem renovar, nem propor nada que ameaçasse as idéias da nossa época.
A América Latina tem uma coleção de novos presidentes eleitos pela insatisfação. Chávez, na Venezuela, Tabaré, no Uruguai, Morales, na Bolívia, e, possivelmente, Obrador, no México, e Alan Garcia, no Peru. A situação perde as eleições depois três anos de crescimento rápido e estabilidade macroeconômica. A frase célebre "é a economia, estúpido" deveria ser substituída por "é a exclusão, estúpido".
Nos Estados Unidos é igual. O presidente Bush perde popularidade e o apoio do Partido Republicano. Os democratas não sabem o que propor como plataforma política para entusiasmar o eleitor americano. Continuamos estacionados no fim da história.
Em São Paulo, na semana passada, a reunião internacional de ombudsmans de jornais criticou a qualidade das notícias sobre a nacionalização do petróleo e do gás na Bolívia.
Os jornalistas não são culpados, pois até os analistas políticos se limitaram a definir e falar mal dos populistas, mas não conseguiram explicar o que aconteceu. Os novos presidentes são populistas apenas porque foram eleitos em protesto, mas não sabem como se livrar das amarras das instituições e dos mercados, que tornam as suas medidas inócuas ou desastradas. Carecem de estratégia ou de reflexões que possam tornar efetiva a insatisfação que representam.
Aqui nesta Folha, na semana passada, lemos que analistas financeiros mudaram a previsão do crescimento do produto de 3,50 % para 3,51%. As previsões de inflação foram alteradas de 4,36% para 4,33% ao ano, como se o produto e a inflação pudessem ser medidos em nanômetros. O absurdo não é culpa dos jornalistas nem dos economistas. É o espírito da nossa época.
No passado, reis despóticos tinham sempre ao lado um bufão bem alimentado e bem pago apenas para falar a verdade e criticar o rei e os seus desmandos. Era o guardião da liberdade de expressão, subsidiado pela coroa, e cujo poder real era inabalável. As críticas faziam apenas cócegas no rei, que ria junto com os nobres áulicos esparramados ao redor do trono.
A inflação vai cair 0,03% (0,0003 em números absolutos) neste ano, e o produto vai crescer 0,01 % (0,0001) a mais do que o previsto. A taxa de juros média prevista para este ano passou de 15,28% para 15,23%. A taxa cambial será de R$ 2,10 por dólar. Protestamos com a liberdade dos bufões -é um absurdo! Arrogantes ou entediados, os donos do poder ouvem e sorriem suavemente.


João Sayad escreve às segundas-feiras nesta coluna.
jsayad@attglobal.net


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Justiça a duas mãos
Próximo Texto: Frases

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.